segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Apontamentos sobre a Terceira Geração dos Annales

Os primeiros parágrafos da apresentação de “História: Novos Problemas”, assinado pela dupla Jacques Lê Goff e Pierre Nora, deixam claras as principais intenções de uma geração que está tomando para si a reflexão sobre os rumos da história e dos novos parâmetros a serem seguidos. Primeiro: o que essa obra não é; não é um panorama da história atual, nem faz um apanhado da produção ou campo da história. O que os autores desejam mostrar, e eles estão acompanhados de muitos outros colegas, é a possibilidade de uma epistemologia da história, diante do avanço das outras ciências humanas. A história, segundo estes autores, não encontra limites para seus domínios. Diante da preocupação da ameaça das outras disciplinas, como a antropologia, por exemplo, o melhor é utilizar-se das novas possibilidades de análises e abrangências, assimilando para si para não ser assimilada pelas outras. 

François Dosse considera, inclusive, numa análise sobre este momento, a história inserida num contexto tal que chega dar título ao seu quinto capítulo de seu livro “História em Migalhas”, de “antropologia histórica”, adjetivando a disciplina. Dosse, que sempre detalha bem os aspectos totalizantes, construindo um pano de fundo, apropriado ao bom entendimento do tempo estudado, inicia assim seu capítulo. Quando fala da descolonização, que está em curso desde o pós Segunda Guerra aos anos 1970, enfatiza o favorecimento do discurso antropológico. Quando diz que o Ocidente tem a impressão de não fazer mais a história humana e sim da humanidade[1], está colocando questões de ordem geral, que atingem a toda humanidade, à espécie humana e não a um povo ou uma etnia somente. 

A impressão que se tem, é que para Dosse, os historiadores estão um tanto tontos diante desse cenário. Já os historiadores dessa nova geração parecem pensar que o melhor é a assimilação. Desse modo, vai ocorrer um rompimento com a historiografia braudeliana e, de certo modo, um retorno às propostas iniciais dos Annales. Apesar de todo respeito dos novos em relação aos antigos como Bloch, Febvre e Braudel, este último ainda atuante, a nova geração aponta novos caminhos. Este livro, cuja apresentação está se estudando, faz parte uma trilogia que se intitula “História: Novos Problemas”, “História: Novas abordagens” e “História: Novos Objetos”, lançada no início dos anos 1970, sendo um marco para essa nova história que se discute muito mais o presente que tanto o passado “glorioso” ou o futuro. 

Segundo Dosse, graças à sensibilidade “às interrogações do presente”, essa geração dos Annales mudou o “rumo de seu discurso ao desenvolver a antropologia histórica[2]” Para ele, os historiadores dos Annales confirmam suas posições hegemônicas quando toma para si as “roupagens dos rivais mais sérios”. O preço seria o abandono dos grandes espaços econômicos de Braudel. Essa nova história ou “história sociocultural”, como chama Daniel Roche[3], permite a Lévi-Strauss dizer que tem a impressão que tanto os antropólogos quanto os historiadores estão fazendo a mesma coisa, por conta de a história ter se apropriado da roupagem etnológica.

A questão do tempo ganha outras formas de percepção. Apesar de continuar sendo o mesmo tempo humano, ele agora é quase tão imóvel quanto o tempo geológico. “A abordagem etnológica elimina a irrupção do acontecimento em troca da permanência, da cronologia repetida do cotidiano da humanidade...” Assuntos como o casamento, o batismo, o casamento, a morte etc. seriam objeto de estudo neste tipo de abordagem. Outro conceito importante e marcante desta geração é a da história das mentalidades. Conceito resgatado da primeira geração, que a designava por história da psicologia coletiva ou social, “que tem por fundamento o nível inconsciente das práticas sociais, o pensamento coletivo e automático de uma época ou de um grupo social[4]."


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[1] DOSSE, François. A Antropologia Histórica. In: A História em migalhas, dos Annales à Nova História. P. 247 

[2] (Dosse, p. 249) 

[3] (idem) 

[4] (Dosse, p. 255)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Apontamentos sobre Marc Bloch e Lucien Febvre


Por Assis Furriel

A visão de Peter Burke sobre os Anais

Marc Bloch
Peter Burke propõe, a partir de seu livro “A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Historiografia”, uma analogia desta “revolução” (a criação da Escola dos Anais por Marc Bloch e Lucien Febvre) com a acontecida no final do século XVIII. Por vários motivos é fácil compreender a comparação. Vejamos três aspectos importantes para melhor visualizar o que pensa Burke. Primeiro, ambas aconteceram na França; segundo, apresentaram uma ruptura com uma tradição vigente na época; terceiro, mudaram o modo de ver e de ser tanto na Política quanto na História, na França e no Mundo.

Lucien Febvre
Com a Revolução Francesa, em 1789, o absolutismo foi extinto. O regime no qual o rei governava absoluto, também chamado Antigo Regime, acabara dando lugar a uma nova forma de governo e inaugurando a contemporaneidade. De certo modo, somos herdeiros de uma série de conquistas políticas e democráticas que se originou desta época. O inglês Peter Burke, um importante teórico da historiografia, interpretou o surgimento da Revista dos Annales como sendo uma verdadeira revolução da disciplina História. “Para interpretar as ações dos revolucionários, contudo, é necessário conhecer alguma coisa do antigo regime que desejavam derrubar.” (Burke, 1997; p. 17). Esta passagem, logo no início do capítulo 1, demonstra o quanto o autor considera tudo que se fazia em termos de história, até então, era absolutamente diferente da proposta trazida por Bloch e Febvre.

O estilo historiográfico que imperou no século XIX, com exceção de alguns autores, era de inspiração positivista. De modo, que cada campo do conhecimento cuidava separadamente da sua área. Com o discurso da cientificidade, a necessidade de dar essa marca científica a História, desenvolveu-se métodos que davam “legitimidade” às pesquisas e às obras. Dessa forma, a opção pela história política, dos heróis, dos vencedores era a história “oficial”. Foi dada uma relevância maior pelas fontes escritas, pelos documentos em detrimento da história oral e das particularidades.

A Escola dos Annales rompe com essa tradição, inovando no modo de escrever a história, elencando uma série de possibilidades de recortes históricos. Seus participantes passam a se utilizar dos outros campos do saber, como a sociologia, a psicologia, a antropologia etc., para construir ou reconstituir a história, não só dos acontecimentos maiores como do modo de vida comum dos indivíduos. 


A história problema de Marc Bloch 

O problema encontrado por Bloch é justamente a percepção de que apenas uma categoria de investigação não daria conta de explicar um fato histórico. Em seu estudo sobre os reis taumaturgos, se utiliza de outras modalidades, como a sociologia e antropologia, por exemplo, mas não considera suficiente para explicá-lo por si só. Utilizando-se do método comparativo, não considera a transposição de casos, como ideal para as particularidades: “o método comparativo é extremamente fecundo, mas desde que não saia do geral; não pode servir para reconstituir os detalhes.”


O positivismo em Bloch 

Assim como aconteceu na época da Revolução Francesa, quando muito dos hábitos e da tradição da época do “Antigo Regime” não se rompeu e permaneceu nos modos, nas mentes de muita gente, com a “Revolução dos Annales” também se deu assim. Muito dos aspectos positivistas do século anterior ficou. E porque não dizer: até hoje somos herdeiros de um modo político de estar no mundo. Com Bloch e Febvre também foi assim. Diferente de Burke, precisamos notar nas permanências que se fazem presentes na vida cotidiana. Embora, tenha sido mesmo uma revolução, a Escola traz consigo a marca do desprendimento. O mais importante é a questão. Influenciado pelo sociólogo Émile Durkheim, utiliza-se também dos métodos tradicionais quando o convém. Não quer romper completamente com o estabelecido, quer apenas fazer diferente. Quando escolhe escrever sobre a crença sobre o poder de cura dos reis é ainda sobre os líderes que se interessa e não sobre os populares ou sobre as mulheres curandeiras que poderiam existir, por exemplo. Sua preocupação com as fontes não deixa de ser também uma referência a uma preocupação do modo positivista da pesquisa. 


Bloch e Febvre e seus métodos 

Bloch e Febvre eram muito diferentes no modo ser, porém seus interesses por uma História livre lhes deram condições de trabalharem juntos. O interesse pela interdisciplinaridade foi o ponto de partida. Ambos tinham tido a experiência da convivência, desde a academia, com grandes expoentes das varias áreas das ciências humanas. Contudo, se o compromisso de Bloch fosse mais com a sociologia, Febvre se valia mais da geografia. Ambos pensavam a História a partir de uma perspectiva de uma história-problema. Para os dois, cada indivíduo faria seu recorte histórico de acordo com seu interesse. Como por exemplo, uma determinada época e suas características serão estudadas segundo o desejo daquele que se debruçar sobre o tema. Aí a questão da subjetividade falará mais forte. Desse modo, um economista, um sociólogo, um psicólogo etc. olharão para um mesmo fato histórico e tirarão conclusões de acordo com seus interesses. 





sábado, 29 de novembro de 2014

George Harrison - o beatle mais espiritualista

Que os outros três não saibam, mas o George é o meu preferido. Por tantas razões, até mesmo por ser ele o caçula do grupo, por ser, como muitos dizem, parecido comigo. Ou seria eu parecido com ele? Até por causa de Frank Sinatra, considerado por muitos o maior cantor de todos os tempos, ter dito que a música da dupla Lennon & McCartney que ele mais gostava era Something. Que maldade com aquele que embora tenha demorado um pouco mais para compor como a dupla de amigos, teve sua obra um tanto eclipsada pelos outros dois. Não à toa, lançou um álbum triplo imediatamente após o fim da banda. E não foi um álbum simples com muita música que estava represada, foi um álbum magnífico e que se tornou um ícone na discografia pop mundial de todos os tempos: All Things Must Pass. Posso dizer que de todos os quatro, George Harrison foi o mais produtivo depois da separação. Não que Paul não tivesse produzido bastante, nem que John não tivesse feito álbuns brilhantes. Deste último, sua morte precoce nos impede de uma maior avaliação, pois teve apenas dez anos entre a separação dos Beatles e sua morte. O fato é que a qualidade da produção de George, considerando, inclusive, sua autoria solitária, durante e depois do quarteto, é realmente especial. Apesar de toda paixão pelos quatro beatles e, obviamente, pela obra de John e Paul, devo confessar que me apraz mais as canções de George. O seu canto sofrido, com suas caretas, são de uma verdade que nos sensibiliza. suas baladas e seu humor refinado me satisfaz. Não tem o que Paul tem de mais melodioso e pop, nem o que John tem de mais ácido e igualmente pop. Traz o meio termo. Traz em seu modo, em suas letras e melodias um jeito sereno, as vezes dramático, é verdade, mas quase sempre espiritual. Sua ligação com a religião hinduísta o levava a uma música mais sensível. Era mesmo o beatle mais espiritualista, sem sombra de dúvidas! Dentre os seus álbuns, destaco alguns em especial: All Things Must Pass (1970),  Living In The Material World (1973) e Cloude Nine (1987). Só pra ficar nos três melhores ao meu ver. Hoje faz treze anos desde sua morte e esse pequeno texto é minha singela homenagem. Viva George forever!

Franciscano


Amamo-nos um ao outro...

Dei-te Carinho
Me deste Ternura

Justiça me deste
Grato te fui

Te fui Bom
Me foste Manso

Misericórdia me tiveste
Por ti orei...

É dando que se recebe!

Assis Furriel


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Suave canção



Banda O Som da Reforma


Doce, suave canção
Luz que ilumina o meu caminho
Como um sol, me aquece, me envolve
E eu que me sentia só
Me encontro em ti
Sem receios e sem medos dou um passo além
Esse amor que me invade me faz bem

Terna canção de ninar
Em seus braços durmo qual criança faz
Que envolta no seu manto sonha em paz




Assis Furriel





domingo, 19 de outubro de 2014

A Felicidade real


Banda O Som da Reforma


Quando eu sinto medo
De enfrentar o mundo
Lembro que esse mundo é só um Lugar que a gente passa
E que a vida real está no espiritual mundo

Então compreendo que o sofrimento é tão passageiro
E que a felicidade está em mim

A felicidade não é algo pronto à buscar
Pra se alcançar assim. Não, não!
Está em a natureza de um modo geral
Nas mínimas coisas, sim.

A se revelar num beijo cândido de uma criança a brincar
Na nota afinada de uma canção de embalar o filho
No aroma, nas cores das flores que enfeitam o jardim tão bem
E no sorriso sincero do amigo que vem



Assis Furriel



domingo, 28 de setembro de 2014

Nas vespas de uma inleição


Por Hilário Soneghetti


Eu tive a infilicidade
de tê nacido na roça,
im tarimba de paióça
e cumo animá crecê,
sem nunca tê visto um livro
onde pudesse aprendê.

Eu digo sem tê vregonha:
sô fio de anarfabeto.
Tudo é bronco na famía
dês do avô, ao pai, ao neto.

Só adispois que eu vim simbora
de lá daqueles fundão,
foi que eu vim sabê o que é uma enscrita
e tive um livro na mão.

Levei mais de vinte e um ano
só pra chegá a aprendê
a arrabiscá o meu nome
a assuletrá o a b c.

Mas a curpa num é minha,
nem mesmo dos meu maió
a curpa e só dos gunverno
que gunverna esta nação,
e se esquece dos que véve
interrado no sertão,
sem tê igreja, nem tê escola,
nem sabê o que é instrução.

Nós lá só sabe o que é bicho,
feitiçaria, coisa feita,
o que é mato, o que é miséria,
o que é espinhela, o que é maleita,
o que é frumiga saúva,
jararaca, opilação,
dô de baço, sarna brava,
reumatismo e assombração.
Tudo o que é ruim nós cunhece,
só num cunhece o que é bão,
só num sabe o que é instrução!
Mais uma coisa nós sabe
muito bem: o que é in-lei-ção!

Se o sinhô quisê que eu conte,
antonce preste atenção...

Mas, vosmecês me adiscurpe
se tudo eu num vô contá;
eu só vô falá nas vespas
da campanha eleitorá.

Muito antes da inleição
a gente vai, feito besta
in riba de um caminhão
a caminho do arraiá;
quando a gente chega lá,
tem povo que nem frumiga
ameaçando saí briga
num bate-papo inferná,
em tempo de se matá!

O dono dos inleitô
leva a gente pruma casa,
e disgraça a dá café,
e, adispois, outra disgraça:
enche a gente de cachaça
até mais num se aguentá!
E daí, num ribuliço
leva a gente prum cumiço,
mode orientá os inleitô.
E aí começa a falá:
Diz que nós sêrmo o partido
que o Brasí vai gunverná,
que vamo tê benefiço
do gunverno federá,
vai tê estrada, tê escola,
igreja, porto, hospitá,
adonde os cabôco todo
suas doença vai tratá
Nós fica tudo iscuitando
tanta promessa bunita,
e, mermo adiscunfiando,
naquilo tudo acredita...

Em cada canto da praça
vê-se um grupo de inleitô
no meio de cada um deles
com três ou quatro doutô
que veio lá da cidade
cada quá que fala, mais promete,
mais agrada, mais abraça,
cada quá que mais agarante
que a partí de hoje em diante
as coisas vai amiorá! 

O só vai sê mais briante,
tê mais luz nas claridade,
vai chuvê semente e arado,
inchada, foice, machado
e justiça e liberdade:
chuvê assistênci sociá,
veterináro, tratô,
framacia, banco, doutô,
que nós tudo vai curá.
Vai chuvê medicamento,
pomada, pilas, unguento,
fortificante, atebrina,
chuvê inté pinicilina,
tudo em grande quantidade...
E ainda os dotô agarante
cum a maió cuniquição,
que adispois das inleição
vai chuvê fricidade!

Seu moço num há quem aguente
cum tanta promessa boa!
A gente cai dereitinho,
que nem pato na lagôa...

Você num pode sabê
pruquê razão é que nós crê
nos home sem coração,
que nos faz tanta promessa
nas vespas de uma inleição!...



Essa poesia era declamada por minha tia Maria Ignácia nos meus tempos de menino. Lembro que meus irmãos e eu adorávamos ouvi-la e que ríamos muito do acento caipira que ela imprimia à sua declamação e ao mesmo tempo já percebíamos o lado crítico da história citada pelo autor. Saudades desse tempo mais lírico vivido em família...

Maravilha de poesia que revela a ingenuidade e a simplicidade de um povo sofrido e explorado historicamente pelas elites deste país desde sempre!  Cabe direitinho até hoje, não?



sábado, 27 de setembro de 2014

Aniversário do blog do chico: 4 anos

Como de costume, aniversário do blog é hora de comentar sobre o seu perfil, sua trajetória e rememorar tudo de bom que rolou neste último período. A cada ano, um post especial faz essa tarefa. confira os Links de aniversário: 1 ano, 2 anos e 3 anos.

Neste post de quatro anos resolvi homenagear os amigos que comentam neste blog, trazendo suas contribuições que em muitas vezes resultam em outras postagens, quer por sua importância ou por sua influência. Nesses mais de setecentos comentários (a metade são minhas respostas) ao longo dos 4 anos, alguns amigos tornaram-se figuras constantes que seguem e curtem sistematicamente os assuntos. Outros, que por vezes passam uma única vez, deixam quase sempre também suas impressões tão comoventes que enriquecem por demais o valor dos textos aqui existentes. São eles por ordem cronológica de aparecimento:

Marcelo Brum, Deise Puga, Januário Garcia, Marcio Alves, Eliana Pichinine, The Silence of Green Fields (Deise Puga), Andrea Marzano, Ana Azedias, Matheus Felipe, Katia Gomes, Ronaldo Alves Vieira, Sonia, Cida Barreiros, Ricardo Campos, Carolina Kellesoglu, Anônimo (Fábio Mury), Alexandre Magno, Allan Furriel, João Pedro Furriel, Rita de Cassia Lopes, Deise Cordeiro, Logic - Into the Wild (Andre Campos da Rocha), Anônimo, Fabio Rey Costa, Diana Pichinine, Nelson Marques, Túlio Villaça, Tatiana Oliveira, Anônimo (Rosana Furriel), Sonya, Danielle Medeiros, Anônimo (Teresinha Pinto), Anônimo (Mauro Herson), Paulo Cesar Machado (Anônimo), Fatima Maria, Harry Goaz, Wagner Alves, Marcelo Cerri, Bassam Jr. (Anônimo), Anônimo, Abel Sidney, Rogério da Silveira Corrêa, Abdul Karim, Paulo Borges (Anônimo), Ant P (Prof. Antonio Pereira), Nazaré Laroca, Meg Rodrigues, Rafael (Anônimo), Lêka (Leila Magalhães), Zuza Zapata, David Oliveira, Dumisai (Luiz Claudio), Banda Rádio&Vinil (Marcio Alves), Pablo Cezimbra, Marcos Passini, Marielza Tiscate, p00d33m (Pedro Barcellos), Claudio Nucci (Anônimo), Botequim Social Clube, Anônimo, Rogério Santos, Andréa Sarmento, Tom, Wagner Marcelo, Llumdesign, Alex, Mauro R. Morand e Almma.

Muitos anônimos assinaram, identificando-se, enquanto outros eu descobri quem eram e ainda outros poucos não foi possível a identificação. A todos os meus mais sinceros agradecimentos pelo diálogo. Gostaria de pedir a todos que me perdoem, mais tenho que fazer uma menção especial a Eliana Pichinine que de todos é a que mais comenta e interage comigo e com meus textos. É impressionante, mas no momento em que fui buscar esses comentários e seus autores, me dei conta de como ela é constante desde o início. Passa de cem comentários, perdi até a conta. Seus comentários estão entre os que me inspiraram a outros textos. Muito obrigado de coração a Eliana, minha amiga, poetisa de mão-cheia.

Parabéns ao Blog do Chico, parabéns a todos nós!


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A poesia de Deise Puga: Ela


Ela cruza as pernas.
E o mundo está em silêncio.
O coração perde
a fala.
A palavra é
Vermelho.
Joelhos perfeitos
é pura poesia …
Ela me chama.
Ela me comunga …
Sinto que ela
Urge …
E com os olhos fechados
Na cama eu posso vê-la
sentada, pernas cruzadas,
Sedução quase infinita …
Ela é poesia morrendo
de desejo dentro de mim … 



She (english)

She crosses her legs
And the world is silent.
A heart loses
the speech.
A word is
Red.
Knees perfect
It is poetry…
She calls me.
She communes me…
I think she
Urges…
And with eyes closed
In bed I can see her
Sitting, legs crossed,
Seduction almost endless…
She is poetry dying
Of desire within me… 


 
Ella ( spanish)

Ella cruza las piernas.
Y el mundo está en silencio.
El corazón pierde
la habla.
La palabra es
Rojo.
Rodillas perfectas
es pura poesía …
Ella me llama.
Ella me comulga …
Siento que ella
urge …
Y con los ojos cerrados
En la cama puedo verla.
Sentada, las piernas cruzadas,
És seducción casi interminable …
Ella és poesía muriendo
de deseo dentro de mí …
Poesia de Deise Puga



 

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Passa, hora!


há dias que o melhor
é brincar de imaginar:

enxugar gelo,
ensacar fumaça;

ver a banda passar
ao largo, de banda;

desentortar banana ou
calibrar pneu de trem;

assobiar nos furinhos
da flauta de cana
suculenta e bem doce;

ou jogar, de verdade, conversa fora
na esperança que reciclem
algo que valha a pena...

a gente, enfim, se ocupa
para que a loucura
fique ao longe
bem longe
de nós!

Abel Sidney




domingo, 14 de setembro de 2014

Composição inusitada em magenta


Vi minha mulher no mercado!


Na banca dos hortifrutis,

os vermelhos tomates,

seu vestido escarlate

e seu batom carmim,

com muito ardor na disputa,

deixavam, assim, em rubor

a face desse tímido admirador.


Assis Furriel



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Lilith, La Negra Luna

por Deise Puga


Arte: Lilith por John Collier
Oh Lilith... mi luna negra y hechicera.
Tú eres la que vives en todos los úteros sedientos de Vida.
Habitando a todas las almas que, en las noches oscuras,
se sofocan en besos hambrientos y prostitutos.
Ohh Diosa... de las más profundas noches.

Yo que siento tu voz resonar en los océanos sagrados y límpidos,
de mis arroyos interiores.
Mi Lilith... mi Luna Negra tan niña y mujer,
cuya sabiduría se explaya en luces,
a través del universo sin fin, de cada una de tu género

Tú eres mi "Anima" latente,
pues habitas el centro de mi Ser, tan niña aún...
tan agarrada de maternales caricias.
Tan ávida de tus sabias y perennes palabras,
amorosas y sensuales...

Yo nada soy, delante de tu majestad y grandeza.
Pero todo Soy...
O un pequeño grano de arena,
en búsqueda de tu mirada compasiva y saturnal.

La mañana despierta ligera,
por detrás de las montañas nevadas.
Pero tú ya habías amanecido, hace mucho,
En lo más íntimo de mi casto y hechicero corazón.



.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Musical


Te dei notas

Me deste melodia


A música que toca em mim vem de você,

compositora da minha alegria



Assis Furriel
.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Confins da Terra

Por João Pedro Furriel

No século XV, houve uma épica história que poucos conhecem: É a história de uma aventura sinistra. Capitão Jack Espirro e seu leal e inteligente “servo” Mocinha estavam em busca do Velocino de Touro, um artefato místico e caro que se caracteriza por ser um belo velocino retirado de um... touro, por isso é místico! Mas esse tesouro estranho só podia ser encontrado no Fim do Mundo, onde existe o limite do “Plano” que o mundo seria. Porém, Mocinha, o forte e astuto estrategista, sabia que as lendas estavam erradas. Em seu conceito, a Terra era esférica que nem uma laranja, e esse local denominado “Fim do Mundo” era uma grande queda d'água próxima ao Atlântico.

     Capitão Jack pensava o oposto: a Terra era plana e não possuía fim, e esse “Fim do Mundo” era um futuro distante onde o mundo acabaria. Para ele, a missão era pegar uma máquina do tempo perto do Atlântico e viajar para o futuro, onde estaria o Velocino de Touro, e quem não acreditasse nisso seria um estúpido.

-Capitão Espirro! Estamos prontos para partir!
-Então corte as cordas que nos prendem à margem e reme até o além!!!

A missão se tornou suicida após três horas, quando eles notaram que esqueceram o rum no porto.

-O rum não!!! Dê a volta, Mocinha!!!
-Tarde demais, senhor! Uma tempestade vem aí!
-Ah é! Esqueci que tinham os Krakens e as baleias com cabeça de marmota assassinas!
-Senhor, suponho que seja só uma tempestade de vento...
-Como é tolo, marujo! É muito tolo! É tolo pra caramba!
-Já entendi, senhor...
-Tolo!!!

     Após a tempestade, veio outro desafio: a fome! O tormento de perder o rum tirou a fome deles... E agora, depois de dois dias, eles estão com fome de novo. Comeram todo o estoque.

-Senhor... permissão para morrer?
-Segure sua alma, marujo! Estou avistando uma sereia!

     A tal sereia na verdade era uma rocha, a qual o navio ia em direção.

-Senhor! A fome o está iludindo! A tal sereia não existe, é uma...
-Mas você só pode ser estúpido, Mocinha! Muito estúpido! Vamos atropelá-la e fazer uma sereia frita!

     O navio colide com a pedra rígida e uma fenda se abre no casco. Mocinha e Espirro descem com velocidade. A água já inundava todo o andar de baixo.

-Maldita! Não sabia que sereias eram tão fortes!
-Vamos pegar o barco reserva e abandonar navio! A abertura é grande demais pra consertar.

     Os dois escapam em um bote. Ficam alguns dias remando no oceano. Pescam dois peixes nesse tempo. Já era o amanhecer do terceiro dia quando Capitão Jack se espanta com o horizonte.

-Uma ilha! Terra à vista, marujo! Pegue o remo, depressa!!
-Estamos quase chegando, Capitão!

     Eles chegam à praia. Capitão corre em direção à floresta e some de vista. Mocinha fica sozinho catando cocos e bananas, xingando em voz baixa seu capitão. 

     No fim da tarde, Capitão volta à praia com uma notícia urgente:

-Canibais!!!

     Um exército de índios preenche a praia, cercando Jack e Mocinha.

-Buga uga! - Disse o índio.
-O que ele disse?! - Gritou Jack.
-Não sei! Fique calmo, senhor! Vou formular um plano!

Os canibais atiram dardos tranquilizantes nos dois e eles dormem...

-Onde estamos?

     Jack questionava algo óbvio. Eles se encontravam numa gaiola de ossos, suspensa em uma piscina de ácido, dentro de uma caverna. Canibais os cercavam com lanças e as mulheres preparavam a fogueira.

-Mocinha... Diga que você tem um plano!
-Sinto muito, senhor... eu...
-É uma ordem, marujo!

     Os dois são interrompidos pela chegada do xamã da tribo. Um homem branco vestido de penas e segurando um cajado. Ele se surpreende com os prisioneiros e ordena soltá-los. A jaula desce e Jack sai chorando para abraçar o xamã, mas é abordado pelas lanças.

-Aga uga! – Ordenou o xamã e os índios se afastam. -O que faz meu povo aqui?
-Capitão, ele é um de nós!
-Sim e não. Agora sou líder da minha própria tribo. Quem são vocês?
-Sou Mocinha, estrategista, ex-soldado e esse é o Capitão Jack Espirro.
-Nunca vi nomes mais estúpidos... O que fazem aqui?
-Nos desviamos do nosso caminho. Nosso navio afundou e tivemos que atracar na sua ilha.
-Entendo...-Disse o Xamã -Meu navio também já afundou há anos atrás... porque eu confundi uma pedra com uma sereia... Fiquei dias remando até encontrar essa ilha. Ao contrário de vocês, os canibais me enxergaram como um ser divino.
-Por que? -Perguntou Jack.
-Porque eu sou um alquimista.
-Bruxo! Bruxão!! -Gritava Jack -Vai nos transformar em ouro!
-Não faria isso, não é tão simples. Como posso ajudá-los?
-Bom... estamos em busca do Velocino de Touro, que fica no Fim do Mundo. Sabe onde fica?
-O Velocino... Deus, já me esquecia!
-Você sabe do que estamos falando?!
-Se vocês querem o Velocino, é melhor vocês irem! Vou lhes fornecer comida e um mapa e vocês podem partir.
-Do que está falando? Por que a pressa?
-Vocês não sabem? A corrida continental em busca do Velocino de Touro! Todos os países europeus, e quem sabe, até os de outros continentes estão indo atrás do tesouro. Eles devem estar muito à frente!

O xamã os leva ao barco que estava cheio de comida. Ele entrega para Mocinha o mapa.

-Este mapa os levará até o Fim do Mundo.
-Não quer ir com a gente? Voltaremos para nossa terra, ricos.
-Meu lugar é aqui... Agora vão!

     O barco parte. Já podiam ver a ilha bem pequenininha ao longe, e o xamã estava perdido em lembranças, mas, enfim, retorna e some dentro da floresta.

-Para o Leste, Mocinha! Não podemos perder esse tesouro!
-Sim, senhor!

     As horas passam e de repente já é outro dia. O mapa os levou para o Jardim Aquático das Pedras, um local cheio de pedras altas e pontiagudas.

-Este local deve estar cheio de corais, senhor.
-Nunca vi lugar igual! Espere! Estou vendo algo... -Capitão Jack tenta enxergar o horizonte e se espanta com o que vê. -Os ingleses! Abaixa-se!
-Vamos nos esconder atrás das pedras.

     Ao longe estava o navio inglês. O Capitão inglês puxava sua luneta e avistava as pedras.

-O Jardim Aquático das Pedras... Que doido! Ei, a estibordo, idiotas, senão bateremos no recife!
-Capitão! Capitão! -Aparece Guliver, o braço-direito do Capitão. -Capitão! Capitão!
-Fala logo, caramba!
-Avistamos um barco no Jardim!
-Um barco?! Guli-Guli, arme os canhões!

     O barco se escondia nas pedras. Jack e Mocinha estavam abaixados em silêncio, esperando o navio ir embora.

-Mocinha, estica o pescoço e dá uma espiada.

     Ele expõe sua cabeça e tenta ver atrás das grandes pedras. Até que...

-Cuidado!!

     Uma bala de canhão atravessa as pedras e quase acerta o barco.

-Atirem novamente! -Grita o Capitão inglês.

     O navio atira de novo e de novo, acertando as pedras.

-Eles vão nos matar!
-Eles não sabem... -Boom! -Eles não sabem exatamente onde estamos. Estão atirando em todos os cantos!

     O barco acaba ficando à mostra entre as pedras. O navio atira e o projétil parte o barco ao meio, fazendo os dois nadarem e vislumbrarem o colossal navio à sua frente.

-Capitão! -Chama Guliver. -Estes são os piratas! -Os dois são levados até o Capitão inglês. 
-O que faremos com eles?
-Cale-se, Guli-Guli! Seus nomes!
-Ca Ca Capitão Jack Espirro... E e esse é meu Braço-direito, Mocinha...
-Como?!
-Mocinha, senhor-diz o próprio
-Mocinha?!
-É... com todas as letras!
-Tem vergonha não? Enfim!
-Capitão-diz Guliver-devemos eliminá-los?
-Não... esses dois viajaram até aqui. Com certeza estão atrás do Velocino! Revistem-nos!
-Capitão, eles trouxeram um mapa!
-Um mapa?-Guliver entrega na mão do Capitão o mapa-É que nem o nosso, mas tem mais informação. Atualizem o curso! E quanto a vocês...!
-Nós...?-Capitão Jack se tremia todo-O que tem nós??
-Serão nossos prisioneiros! Substituirão os escravos que morreram! Levem-os!

Os dois foram jogados para dentro dos aposentos dos negros, que olhavam estranhando pra eles.

-Que humilhação!-exclamou Jack-Sou um homem nobre! Não mereço estar aqui!
-É, Capitão... parece que acabou.
-Me recuso a ser subjulgado!
-Jack, não temos para onde ir!
-Não me chame de Jack! É Capitão Jack! Você é o cara dos planos, certo? Pense em algo!

Mocinha suspira fundo. Ele sempre foi paciente, mas aquelas eram circunstâncias diferentes.

-Certo, Capitão. Pensarei em algo...

Os dias foram passando, comeram os restos da comida dos ingleses, limparam a proa centenas de vezes, remaram junto como escravos por horas, até que...

-Franceses!!!

A tripulação preparava os canhões. A confiança deles não estava muito boa, pois haviam três navios inimigos. Toda a tripulação estava de um lado do navio olhando para o horizonte. Mocinha notou isso e chamou Jack.

-Ei! - Jack escuta e corre para perto dele.
-Tive um plano!
-Ótimo, marujo! Sabia que você era útil!

Os dois correm para o alçapão e Mocinha arranca um parafuso duma parede.

-Um deles deve vir para checar os escravos. Vamos pegar as armas dele.
-Wow! Não sabia que você matava!
-Não vou matá-lo.

     Ele entorta o parafuso e usa como chave para abrir as algemas deles.

     Um soldado desce as escadas e Jack o acerta com uma tábua.

-Isso, Capitão! Pegue a espada que eu pego arma...
-Não! Você pega a espada e EU pego a arma!

     Os dois estavam prestes a ir embora, mas eles se esquecem de uma coisa: os escravos.

     O navio inglês estava todo esburacado pelas balas dos canhões, a tripulação estava desesperada, Capitão Inglês estava escondido tentando dar ordens para um bando de desesperados. Até que ele vê os negros fugindo e atacando os soldados.

-Tomem o navio!!-gritou Jack
-Não, homem! Logo esse navio vai afundar!-retrucou Mocinha

     O Capitão Inglês saca sua arma e mira no Mocinha, mas um escravo aponta sua espada para o pescoço dele e o faz soltar. Em seguida todos estavam apontando suas espadas para ele.

-Guli-Guli!! Guli...!
-Cale-se!-disse Mocinha

     O Capitão do navio francês vê a cena com sua luneta e diz ao seu Braço-Direito:

-Caraca! Que loco!
-O que me diz, Capitão? Deixaremos eles resolverem entre si?
-Sim, esses ingleses são uma causa perdida mesmo... Partiu Fim do Mundo!

     E os navios franceses seguem seu caminho.

-Seus idiotas! Os franceses agora estão na frente! Cadê o Guli-Guli?!
-Estou aqui, Capitão!-Guliver aparece sendo escoltado por dois escravos-Desculpe, Capitão... E-eu não pude dar conta!
-Mocinha!-diz Jack-Vamos jogar esse cara no mar e levar seu navio!
-Tenho uma ideia melhor!

     O Capitão Inglês e Guliver estavam num barco no meio do oceano, expulsos de seu próprio navio.

-Rema, Guli-Guli!! Estou vendo terra-firme!

     Os dois chegam à margem.

-Certo, Guli-Guli! Traga madeira e faça uma cabana... que foi, Guli-Guli?!

     Os canibais aparecem da floresta e cercam os dois.

-Maldito... Mocinhaaa!!!!

     O novo navio de Capitão Espirro e seu marujo era potente, mas estava bem destruído. Os dois olhavam para o horizonte azul.

-O que estamos olhando, senhor?
-Não estraga a cena! Cheque o mapa.
-Aqui diz que estamos chegando, senhor. Mas algumas milhas e estaremos lá.
-Perfeito!
-Senhor, o que fará quando conseguir o Velocino?
-Ainda tenho muito tempo pra pensar nisso quando eu viajar para o futuro!
-Não existe viagem... Ah, esquece!

     O navio vai veloz e paciente. Seja lá o que fosse esse Velocino de Touro, a viagem e a aventura valeram a pena... menos quando eles viraram escravos por dias.

     O navio atraca em meio às rochas e ao nevoeiro. Toda a trpulação de ex-escravos, inclusive Jack e Mocinha espantavam-se com o que viam: um colossal castelo: Cidadela. Sua aventura chegaria ao fim ao passar por aquelas portas... ou não!



Continua...



domingo, 31 de agosto de 2014

Amélia


E lá vinha ela

Devagar, mas firme!

Com jeito altivo de quem

Do alto de sua idade

Carregava a própria experiência

Sua bengala vibrava à força de sua vontade

Por onde andará Amélia no céu infindo?

Quantas histórias contará por lá a preta-velha?

Qual das estrelas nos apontará seu rumo?

Talvez a que esteja mais atenta ao seu olhar

E lá se foi

Devagar, mas sempre!

Com jeito de quem carregava a própria existência

Assis Furriel


Esse poema é uma homenagem a uma antiga amiga de minha família, a qual cito em outro post:
Vovó Amélia: uma história de amizade, escravidão e liberdade

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Lua

Foto: Mauro R. Morand

Lua que no céu flutua
Lua dos românticos
Do pic de Morand
Lua dos ingênuos
Dos lunáticos
Lua de São Jorge
Lua de minha amada

Tão grande e serena, a lua branca!
Sem ela, como poderiam as marés?

La Luna Tropical
Dos trópicos quentes do sul
Lua que me acende e me impõe os desejos mais dignos e humanos

_Lua, livra-me da insônia de lobo!
_Devolva-me os uivos!
_Devolva-me meu sono de homem
_Devolva-me os amores pedidos e perdidos

_Ó lua, quem me dera o mistério que sua névoa te encobre!


Por Assis Furriel


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sábado, 9 de agosto de 2014

Cogito


Penso, logo existo,
Logo insisto,
Logo desisto

Penso, logo retomo,
Logo confirmo,
Logo, anônimo

Penso, logo não durmo,
Logo não sonho,
Logo, acordado

Penso, logo penso acordado,
Logo imagino o sono,
Logo vivo

Penso, às vezes durmo,
Logo sonho,
Logo penso no sonho

Penso, logo vivo sonhando,
Logo existo no sonho,
Logo penso que não existo sem sonho

Ou penso que de todo, existo!


Por Assis Furriel

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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Positivamente


Eu digo não ao não *

Do não, não quero o sim
Do não, eu quero sim: o não

O não é o nada
E o nada é a impossibilidade

Se penso, sou algo
Se sou, não me acabo

O nada é o não ser
A negação do algo, o nada não há

O tudo é a possibilidade do algo
O tudo é o sim

O sim do bem
O sim até do mal

O mal o que é?
O mal é nada

O mal não existe
O mal é o não do bem

E eu digo não ao mal
Eu digo não ao não

E digo sim ao sim!


Por Assis Furriel


(*) referência à música “É proibido proibir” de Caetano Veloso

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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Do mal


Não!

Insônia,
Sofrimento,
Ingratidão,
Maldade

Vileza,
Estupidez,
Prisão,
Vaidade

Baixeza,
Torpeza,
Desunião,
Nulidade

Discórdia,
Egoísmo,
Solidão,
Crueldade

Dor,
Frieza,
Escuridão,
Infelicidade

Insânia,
Zanga,
Perversão,
Deslealdade

Injustiça,
Desconfiança,
Sofreguidão,
Desigualdade

Guerra,
Tristeza,
Ilusão,
Inimizade

Não!
Ódio, não!
Ódio, não!
Ódio, não!


Assis Furriel
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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Do bem


Sim!

Carinho,
Ternura,
Mansidão,
Bondade

Justiça,
Misericórdia,
Perdão,
Caridade

Calor,
Aconchego,
União,
Amizade

Beleza,
Doçura,
Gratidão,
Igualdade

Brandura,
Afago,
Compreensão,
Liberdade

Alegria,
Concórdia,
Afeição,
Fraternidade

Paz,
Esperança,
Comunhão,
Sensibilidade

Fé,
Candura,
Pão,
Felicidade

Sim!
Amor, sim!
Amor, sim!
Amor, sim!


Assis Furriel


quinta-feira, 31 de julho de 2014

Morena dos olhos d'agua

Muitos importantes compositores da música popular brasileira fizeram escola, inspirando muitos outros artistas ao longo do tempo, sobretudo, a geração da chamada época de ouro dos anos 30 e 40. Um exemplo especial é Dorival Caymmi. O compositor baiano que cantou a sua terra com tanta presença e genialidade influenciou uma série de outros importantes compositores que beberam de sua fonte. Suas "Canções Praieiras", nome de seu disco de 1954, no qual constam A jangada voltou só, Canoeiro,Bem do mar, O mar, Suíte dos pescadores e É doce morrer no mar entre outras canções, falam bem disso. 

Vários compositores de gerações posteriores confessaram essa influência em depoimentos e em músicas. Morena dos olhos d'agua, de 1966, de Chico Buarque de Hollanda confirma essa ideia. Pode ser até que ele não tenha pensado nisso quando a compôs, mas a opinião desse blogueiro que vos escreve é a de que a homenagem é verdadeira. Chico tem outras, como Januária, de 1967 que também traz uma cena típica das músicas de praia de Dorival: "Ela faz que não dá conta de sua graça tão singela/ O pessoal se desaponta/ vai pro mar/ Levanta vela".  

Uma vez, comentando com uma amiga sobre a música do Chico e sua possível inspiração em Dorival, disse que achava que possivelmente o baiano estivesse ali inserido pelo grande e iniciante Chico e que ela, assim como "Januária" e talvez outras mais, fossem de inspiração praiana que a obra do Dorival marcou no imaginário da música popular brasileira. Essa bem poderia ter sido uma composição do próprio Caymmi". 



Assis Furriel canta Morena dos olhos d'agua

Morena dos olhos d'água
Tira os seus olhos do mar
Vem ver que a vida ainda vale
O sorriso que eu tenho
Pra lhe dar

Descansa em meu pobre peito
Que jamais enfrenta o mar
Mas que tem abraço estreito, morena
Com jeito de lhe agradar
Vem ouvir lindas histórias
Que por seu amor sonhei
Vem saber quantas vitórias, morena
Por mares que só eu sei

O seu homem foi-se embora
Prometendo voltar já
Mas as ondas não têm hora, morena
De partir ou de voltar
Passa a vela e vai-se embora
Passa o tempo e vai também
Mas meu canto ainda lhe implora, morena
Agora, morena, vem 


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sábado, 7 de junho de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - A contribuição dos baianos à cultura carioca

     A comunidade baiana e seus descendentes no Rio de Janeiro tiveram um papel de grande importância na formação e uma cultura popular que reflete até aos dias atuais. Nas várias áreas da cultura, atuaram como semeadores de práticas que misturadas aos costumes mais sofisticados da sociedade carioca criaram um “caldo” que moldou o imaginário carioca. A música de características fortemente rítmicas, como o samba de roda e de partido-alto; suas danças, como o maxixe, o lundu e a capoeira (misto de dança e luta, à época); suas crenças e festas religiosas, como o candomblé e as festas católicas que os negros freqüentavam, num sincretismo religioso; a comida de forte aroma e tempero, vendida nas praças e nas festas, tudo isso serviu como legado dessa gente que “veio da Bahia cantar”. 

     A história do samba carioca, por exemplo, tem sua gênese nas rodas musicais realizadas nas casas das “Tias baianas”, que no início do século XX reuniam os músicos e participantes de várias camadas da sociedade, em seus fundos de quintais, fugindo da perseguição da polícia. Nessa época, violão e pandeiro eram sinônimo de vadiagem e aquele que fosse pego com um instrumento desses, era preso como bandido. Ao mesmo tempo em que era caso de polícia, o samba era admirado por parte da elite da cidade. Uma história bem pitoresca mostra bem essa relação paradoxal entre as autoridades e a comunidade negra. João da Baiana, exímio pandeirista, filho de Tia Perciliana, uma das tantas baianas que compunham o importante grupo vindo da Bahia, passou por uma experiência insólita: “Certa noite, João da Baiana foi convidado para ir a uma festa no palácio de senador Pinheiro Machado, um dos mandachuvas da política da época. Acabou não aparecendo por ter sido preso pela polícia na Festa da Penha. Acusação: levava um pandeiro a tiracolo. Dias depois, o todo-poderoso senador quis saber por que João não aparecera em sua festa. Sabendo da história, Pinheiro Machado mandou fazer um pandeiro na loja Cavaquinho de Ouro, do seu Oscar, com a dedicatória “A minha admiração, João da Baiana – Senador Pinheiro Machado”. Coincidência ou não, o fato é que João nunca mais foi importunado”. (Diniz: 2006, p. 31). 

     Foi numa dessas rodas de samba, na casa de Tia Ciata, a mais destacada de todas as tias, na Cidade Nova, que o primeiro samba “Pelo Telefone” foi criado. Obviamente, outros sambas já haviam sido criados, porém Donga e Mauro de Almeida registraram como de autoria da dupla a composição feita coletivamente. O episódio gerou grande revolta e debates por parte da comunidade. No entanto, o fato da gravação ter sido feita e registrada como gênero “samba” foi uma inovação, ajudando a popularizar a música o ritmo. Isso criou, de algum modo, uma preocupação mais profissional da parte dos sambistas. 

     Os músicos da primeira geração do samba, filhos das tias e tios baianos, deram à história da música popular brasileira uma grande contribuição. São dessa época, as músicas de estilo mais rural e de influência africana, como o samba tocado com prato e faca, os sambas de partido-alto, as chulas, os maxixes, entre outros ritmos que foram trazidos pelos negros da Bahia. Essa geração, além de Donga e João da Baiana, revelou também o grande Pixinguinha, um do maiores de todos os tempos e Sinhô, o “Rei do Samba” e do maxixe nos anos 1920. O final desta década, ainda revelaria uma “revolução” no modo de tocar e uma adaptação desse ritmo que foi ajustado aos desfiles dos blocos carnavalesco. Aí inicia a história das Escolas de Sambas, que os anos da Era Vargas impulsionariam. Mais isso é um outro capítulo da história.


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DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Valsa de uma cidade




Vento do mar e o meu rosto no sol a queimar, queimar
Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, deste mar, desta gente feliz

Bem que eu quis escrever um poema de amor
E o amor estava em tudo o que vi
Em tudo quanto eu amei
E no poema que eu fiz
Tinha alguém mais feliz que eu
O meu amor
Que não me quis
Composição de Ismael Neto e Antônio Maria (valsa, 1954) 



In: Cifrantiga, http://cifrantiga3.blogspot.com.br/2006/05/valsa-de-uma-cidade.html

“Esta canção é uma crônica de amor ao Rio de Janeiro. Realmente, seus versos iniciais com um enfoque descritivo - "Vento do mar no meu rosto / e o sol a queimar, queimar / calçada cheia de gente / a passar e a me ver passar" - têm a marca inconfundível do grande cronista que foi Antônio Maria, autor da letra, e bem poderiam servir de abertura a uma de suas crônicas. 

Abrem, porém, uma das mais belas canções, entre tantas, que louvam o Rio de Janeiro, uma canção em ritmo de valsa, ao contrário da maioria que canta a cidade em ritmo de samba. Em tempo: nenhum dos autores de "Valsa de Uma Cidade" era carioca, sendo Antônio Maria pernambucano e Ismael Neto paraense."

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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Receita pra lavar palavra suja por Viviane Mosé


Mergulhar a palavra suja em água sanitária,
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol
adquirem consistência de certeza,
por exemplo a palavra vida.
Existem outras e a palavra amor é uma delas
que são muito encardidas e desgastadas pelo uso,
o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra,
depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que ainda permanecem sujas
depois de submetidas a esses cuidados
mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram as manchas mais difíceis e nada.
Todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão.
Mas nunca vi palavra tão suja
como a palavra perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas,
soltam um líquido corrosivo
—que atende pelo nome de amargura—
capaz de esvaziar o vigor da língua.
Nesse caso o aconselhado é mantê-las sempre de molho
em um amaciante de boa qualidade.
Agora se o que você quer
é somente aliviar as palavras do uso diário,
pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo aqui é misturar palavras que mancham
no contato umas com as outras.
A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra
e deve ser sempre clareada sozinha.
Uma mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo sendo uma palavra intensa, quase agressiva,
pode, o que não é inevitável,
esgarçar a força delicada da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras
sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva
produz uma oleosidade que conserva a cor
e a intensidade dos sons.
Muito valioso na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.
Para isso conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos
que passeie pelas expressões dos seus sentidos.
Á noite, permita que se deite,
não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme
a palavra plantada em sua carne
prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar a convivência
até não mais perceber a presença dela,
então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.

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Ouvi esta poesia fantástica outro dia pela própria Viviane Mosé num programa compartilhado no Facebook por uma amiga. Fiquei tão impressionado que resolvi postar por aqui no blog. Já tinha ouvido falar da autora que é filósofa e já teve até quadro (or sinal muito bom) no fantástico da Rede Globo.

"Viviane é capixaba e vive no Rio desde 1992. É psicóloga e psicanalista, especialista em “Elaboração e implementação de políticas públicas” pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestra e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro."(In: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/viviane_mose.html).  Leia mais sobre a autora e outros poemas seus neste endereço.

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domingo, 27 de abril de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - A grande reforma urbana e a vida refeita no morro

Antes mesmo da grande reforma, observa-se que a República, recém chegada, apresenta como uma de suas características a prevenção contra pobres e negros, “prevenção esta que se evidencia principalmente na forte repressão aos capoeiras, levada a efeito em 1890 e na destruição (não sem violenta reação popular) em janeiro de 1893, pelo prefeito Bento Ribeiro, do “Cabeça de Porco”, o mais famoso cortiço do Rio de Janeiro, localizado na atual rua Barão de São Félix, nas fraldas do Morro da Providência, nos terrenos em parte cortados hoje pelo túnel João Ricardo, e que abrigava, à época de sua demolição, cerca de 2.000 pessoas”. (Lopes: 1992, p. 5)

Com desejo de dar à paisagem da cidade uma aparência européia, inspirada na belle époque francesa, inicia-se uma política de embelezamento e racionalidade que consiste em abrir novas e largas avenidas, derrubadas de prédios velhos, os chamados cortiços, limpeza e saneamento das ruas do Centro. Desse modo, a população pobre, de grande maioria negra é obrigada a se mudar para as periferias, como as das regiões da Praça Onze e da Cidade Nova, como também a ocuparem os morros próximos, como os da Conceição, no bairro da Saúde e da Providência (morro da Favela), na Gamboa. A política urbanizadora do Prefeito Pereira Passos, inicia-se em 1902 e segue até 1906, a qual foi conhecida popularmente por “Bota abaixo”. 

Em resumo, o plano urbanístico visava à remodelação do porto da cidade e das áreas próximas, facilitando seu acesso aos ramais da Central do Brasil e da Leopoldina; a abertura da avenida Rodrigues Alves e da Avenida Central (atual Rio Branco) que cortaria o centro comercial e financeiro que seria também reconstruído e remodelado; melhoria do acesso à zona sul, que se tornaria definitivamente a região ocupada pelos mais abastados da cidade, com a construção da avenida Beira-Mar; e a reforma do acesso à zona norte com a abertura da avenida Mem de Sá e com o alargamento das ruas Frei Caneca e Estácio de Sá. Além disso, alargamentos de várias ruas e pavimentação e ampliação dos serviços urbanos como o dos transportes. O combate às epidemias, executada pela liderança do Dr. Oswaldo Cruz, também marcará profundamente essa fase.

Expulsos de suas casas na área central da cidade, os negros vão se juntar a tantos outros chegados de outras regiões do país para tentar a sobrevivência na capital da República. O panorama é o pior possível. A favela (nome dado pelos primeiros moradores, remanescentes da guerra de Canudos) configura-se por barracos sem higiene, empilhados pelas encostas, de chão de terra batida, parede de barro ou improvisadas com latas de querosene ou tábuas de caixote. Com as destruições das habitações populares coletivas (cortiços e cabeças-de-porco), essa era uma alternativa barata, livre dos altos aluguéis e próxima aos locais de trabalho. O morro da Providência foi o primeiro a ser reconhecido por favela, que era o nome de um arbusto e de um morro próximo ao povoado de canudos. Os soldados que retornaram de lá e que deixaram de receber seus soldos se instalaram nesse morro, batizando-o com este nome em homenagem àquele lugar. 

(Continua...)
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LOPES, Nei. Introdução. In: O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical: partido alto, calango, chula e outras cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.

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sexta-feira, 18 de abril de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - O negro e o mercado de trabalho

       Com o fim da escravidão, o negro passa a ter um problema que é buscar seu próprio sustento. O Estado não elaborou uma política de inserção do negro na sociedade e no mercado de trabalho. Num momento de industrialização e da busca de uma modernidade, o país que havia deixado o “escravismo” para entrar no “capitalismo”, não contou com a participação da mão-de-obra, agora livre, negra. Portanto, esse contingente negro busca, por sua própria sorte, uma colocação na sociedade excludente de então. 

Despreparado para o mercado moderno de trabalho e tendo, acima de tudo, grande concorrência dos estrangeiros, os negros acabam por exercer atividades menores e toda a forma de subempregos, incorporando também a massa de desocupados que habitava o centro da cidade e arredores. “No Brasil moderno, as negras achariam alternativas no trabalho doméstico ou seriam pequenas empresárias com suas habilidades de forno e fogão; ou, juntamente com o homem, procurariam o sustento através de pequenos ofícios ligados ao artesanato e à venda ambulante. No Rio de Janeiro abriam-se oportunidades na multiplicidade de ofícios em torno do cais do porto, para alguns na indústria, para os mais claros na polícia, para todos no exército”. (Moura: 1983, p. 43).

A imagem negativa do negro preguiçoso e malandro e que não gostava do trabalho se deu por conta de muitos que ficaram à margem: prostitutas, cafetões, malandros, outros ainda, que ganhavam a vida com o que aprenderam nas festas populares, trabalhando em cafés, cabarés, circos e palcos das revistas. Esses, juntamente com outros segmentos populares, oscilaram entre o subemprego urbano e a marginalidade carioca. 

A participação do trabalho exercido pelo negro marcará definitivamente a história das atividades do cais do porto. Sua participação nas organizações de trabalhadores se dará fortemente, como na Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiches de Café, tendo uma participação maciça dos negros, inclusive em suas lideranças, tendo sido chamada anteriormente Companhia de Pretos.

Durante as obra de remodelação da cidade, o trabalho era oferecido nas esquinas do centro, assim como a seleção dos candidatos. Os negros levavam sempre desvantagem em relação aos brancos. Roberto Moura revela a voz das testemunhas como a de D. Carmem, vizinha das obras na época, que depõe: “quem trabalhava mais mesmo era o português, essa gente, espanhóis, era mais essa gente. Não era fácil, eles não gostavam de dar emprego pro pessoal preto da África, que pertencia assim à Bahia, eles tinham aquele preconceito”. (Moura: 1983, p. 44).

(Continua...)
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[1] Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da- populacao-brasileira/brasil-um-pais-de-migrantes.php

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1983.

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quinta-feira, 10 de abril de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - A questão das migrações

A história do Negro no Brasil inicia-se quase que simultaneamente ao descobrimento deste país. Já nas primeiras décadas do século XVI, os negros escravizados no continente africano eram trazidos para o ciclo econômico da cana-de-açúcar. “A partir de 1549, intensificou-se o tráfico negreiro para estas regiões, principalmente em razão dessa florescente cultura agrícola. Em 1559, o tráfico foi legalizado por iniciativa de um decreto do rei D. Sebastião, pelo qual ficava autorizada a captura de negros na África para o trabalho em território brasileiro[1]".

Segundo Helio Santos, do total de 14 milhões de africanos escravizados, o Brasil foi o que mais importou, trazendo para cá cerca de 4 milhões. É claro que esse número muito se amplia quando somado aos nascidos das escravas em terras brasileiras. (Santos: 2001, p. 65). 

O deslocamento de grande contingente de negros acompanhou as mudanças dos ciclos econômicos. Primeiro, no século XVI com a lavoura da cana-de-açúcar, no nordeste, depois, já no século XVIII, com o ciclo do ouro, na Região das Minas e finalmente, com o período do café, no século XIX, no sudeste do país, sobretudo na região do Vale do Paraíba. (Lopes: 1992, p. XIII)

Na segunda metade do século XIX, vários fatores como a crise do café, a partir de 1860, a grande seca do sertão nordestino nos anos de 1877 a 1879, a abolição do trabalho escravo em 1888 e o término a Guerra de Canudos em 1897 contribuíram para que um grande número de negros e mestiços migrasse para as metrópoles, principalmente, a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império e da República que estava por vir, em busca de trabalho e de sobrevivência. Além disso, “entre 1871 e 1920, o Brasil recebeu 3,3 milhões de imigrantes, provenientes da Alemanha, Itália, Portugal, Ucrânia e Polônia[2]", para substituir a mão-de-obra escrava, e também para, segundo uma política “racista” do governo do país e de grande parte das elites, embranquecerem a população.

(Continua...)
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LOPES, Nei. Introdução. In: O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical: partido alto, calango, chula e outras cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.

SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil – A trilha do círculo vicioso. São Paulo: Editora SENAC, 2001

[1] Disponível em : http://ww1.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=2852 

[2] Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da- populacao-brasileira/brasil-um-pais-de-migrantes.php

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