Mergulhar a palavra suja em água sanitária,
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol
adquirem consistência de certeza,
por exemplo a palavra vida.
Existem outras e a palavra amor é uma delas
que são muito encardidas e desgastadas pelo uso,
o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra,
depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que ainda permanecem sujas
depois de submetidas a esses cuidados
mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram as manchas mais difíceis e nada.
Todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão.
Mas nunca vi palavra tão suja
como a palavra perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas,
soltam um líquido corrosivo
—que atende pelo nome de amargura—
capaz de esvaziar o vigor da língua.
Nesse caso o aconselhado é mantê-las sempre de molho
em um amaciante de boa qualidade.
Agora se o que você quer
é somente aliviar as palavras do uso diário,
pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo aqui é misturar palavras que mancham
no contato umas com as outras.
A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra
e deve ser sempre clareada sozinha.
Uma mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo sendo uma palavra intensa, quase agressiva,
pode, o que não é inevitável,
esgarçar a força delicada da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras
sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva
produz uma oleosidade que conserva a cor
e a intensidade dos sons.
Muito valioso na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.
Para isso conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos
que passeie pelas expressões dos seus sentidos.
Á noite, permita que se deite,
não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme
a palavra plantada em sua carne
prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar a convivência
até não mais perceber a presença dela,
então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.
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Ouvi esta poesia fantástica outro dia pela própria Viviane Mosé num programa compartilhado no Facebook por uma amiga. Fiquei tão impressionado que resolvi postar por aqui no blog. Já tinha ouvido falar da autora que é filósofa e já teve até quadro (or sinal muito bom) no fantástico da Rede Globo.
"Viviane é capixaba e vive no Rio desde 1992. É psicóloga e psicanalista, especialista em “Elaboração e implementação de políticas públicas” pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestra e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro."(In: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/viviane_mose.html). Leia mais sobre a autora e outros poemas seus neste endereço.
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