domingo, 27 de janeiro de 2013

Samba e modernidade


Pintura de Heitor dos Prazeres
O imaginário do samba: o malandro; a Lapa; a boemia e a orgia; o morro; o machismo e a mulher; a Festa da Penha; o bonde. 


     Aspectos de modernidade sempre estiveram presentes na produção musical do samba, formando assim, o seu imaginário. A figura do malandro teve sua maior ênfase com a turma do Estácio, no final dos anos 1920, mas já fazia parte do imaginário literário brasileiro desde o século XIX. O tema já estava presente, por exemplo, em “Memórias de um sargento de milícias” de Manuel Antonio de Almeida, publicado em 1854. Seu personagem principal foi objeto de debate de muitas teses, incluindo o texto de Antonio Candido, “Dialética da malandragem”, de 1970. Segundo o crítico, o malandro tinha a condição de transitar entre o mundo das elites, dos que detinham o poder e o mundo das ruas, dos pobres, marginalizados. Em outras palavras, os mundos da ordem e da desordem (Candido: 1970) 

     O primeiro samba a descrever com detalhes a figura do malandro foi "Lenço no pescoço" de Wilson Batista, de 1933: “Meu chapéu de lado/ Tamanco arrastando/ Lenço no pescoço/ Navalha no bolso/ Eu passo gingando/ Provoco e desafio/ Eu tenho orgulho/ De ser vadio...”. Essa música deu início a uma polêmica entre o autor com Noel Rosa. Esta polêmica, no entanto só ficou famosa bem depois de Noel ter morrido. Noel, não satisfeito com a figura do malandro associado ao samba, respondeu com o samba Rapaz folgado: “Deixa de arrastar o seu tamanco/ Pois tamanco nunca foi sandália/ E tira do pescoço o lenço branco/ Compra sapato e gravata/ Joga fora essa navalha/ Que te atrapalha...”. Dessa disputa surgiram algumas obras primas do samba, como "Conversa fiada", de Wilson e "Feitiço da Vila" e "Palpite infeliz", de Noel. 

     Claudia Matos (1982) dedica o estudo do tema malandragem na época de Getúlio, às figuras de Wilson Batista e Geraldo Pereira, dois dignos representantes do universo que compõe este imaginário. Os sambas "Inimigo do batente" de autoria de Wilson Batista; "Escurinho", "Cabritada malsucedida", "Acertei no milhar", de Geraldo Pereira, sendo a última de parceria dos dois, no qual contam o sonho de todo brasileiro comum: tirar a “sorte grande” e não mais trabalhar, são exemplos de composições que retratam o tema.

O universo da Lapa está representado em obras como a de Noel Rosa. Um dos clássicos do autor fala de um amor inesquecível (Ceci), "Dama do Cabaré": “Foi num cabaré da Lapa/ Que eu conheci você/ Fumando cigarro/ Entornando champanhe no seu soirée...”. O derradeiro samba do Poeta, "Último Desejo", foi dedicado também a sua musa. A Lapa, bairro tradicionalmente ligado a boêmia, está para o samba e para os sambistas cariocas, como Montmartre para os artistas parisienses. “A Lapa tinha o sabor de um Montmartre caboclo, mistura de Paris requintada e Bahia afro-luso-brasileira” (Damata: 2007; p. 22). O lugar dos vários cabarés, cafés e bares, nos quais os artistas se apresentavam ou mesmo negociavam novas composições, era aonde estes faziam o seu métier. No popular, dizia-se ser preciso “fazer a Lapa”. 


     “Diz a lenda que Madame Satã, intitulado capoeirista num site de busca na internet, deu um rabo de arraia no maravilho Geraldo Pereira, que fez o autor de Falsa baiana morrer da certeira rasteira. Alguns até hoje apontam o paralelepípedo que consumou a tragédia, e é por conta de fatos assim que, para atravessar a rua Mem de Sá, ou dobrar a Rua do Lavradio num passado recente, era preciso o tamanco arrastando, lenço no pescoço e a navalha no bolso". (Idem: 2007; p. 13). 


     O mundo da boemia e da orgia está bem representado no universo do samba, quase sempre associado a conflitos românticos, como em "Abre a janela", de Arlindo Marques Júnior e Alberto Roberti, gravado com grande sucesso por Orlando Silva, na qual o homem diz a sua amada que quando acabar a orgia pode ser que ele volte. A mulher dá o seu troco nas composições: “Acabou a sopa”, de Geraldo Pereira e Augusto Garcez: “Essa não é a primeira vez/ Que você me aborrece/ E depois, com cara de santa/ Me aparece/ Pedindo perdão/ Sem me pedir foi ao baile/ Isso não se faz/ Eu vou lhe mandar embora/ Para nunca mais...” "Sambei 24 horas", de Wilson Batista e Haroldo Lobo e "Ó, Seu Oscar”, do mesmo Wilson e Ataulfo Alves, também contam histórias de mulheres que largam o homem pela boêmia e pela orgia: Sambei 24 horas, sambei/ Sambei tanto que a sandália furou/ Ele me viu de madrugada/ Pulando na calçada/ Quando cheguei não quis/ Abrir a porta do chato...” e “...Ò Seu Oscar/ Tá fazendo meia hora/ Que a sua mulher foi embora/ E um bilhete deixou/ Meu Deus que horror!/ O bilhete assim dizia: Não posso mais. Eu quero é viver na orgia!...” "Boêmio" de Ataulfo Alves e J. Pereira: “...Boêmio/ Que ficas na rua/ Em noite de lua/ Tristonho a cantar/ Na ilusão dos beijos viciosos/ E dos carinhos pecaminosos...”. 

     O morro de Wilson Batista é a Mangueira, e, esta seria sempre lembrada em composições como "Mundo de zinco": “Aquele mundo zinco que é Mangueira/ Acorda com o apito do trem/ Uma cabrocha, uma esteira/ Um barracão de madeira/ Qualquer malandro em Mangueira tem...”. Presente também na trilogia "Lá vem Mangueira", em parceria com Haroldo Lobo e Jorge de Castro, "Cabo Laurindo" de Wilson Batista e Haroldo Lobo e "Comício em Mangueira" de Wilson Batista e Germano Augusto. Ela fala da epopéia do cabo Laurindo que foi à guerra defender o Brasil em nome do morro que, com esse feito, tomaria parte da história. Laurindo, importante ritmista da escola de samba, era também cabo do exército. O primeiro samba diz: “Lá vem Mangueira/ Outra vez descendo o morro/ Com harmonia/ Lá vem Mangueira/ Sem Laurindo na frente da bateria/ Perguntei Conceição/ O que acontecia/ Laurindo foi pro front/ Esse ano não descia...”. Segue a história no segundo samba: “Laurindo voltou/ Coberto de glórias/ Trazendo garboso no peito a cruz da vitória/ Pois Salgueiro, Mangueira, Estácio, Matriz estão agindo/ Para homenagiar/ O bravo cabo Laurindo...”. Finalizando a trilogia, conta-se a história de um comício em Mangueira, no qual Laurindo foi homenageado e diz que não é herói, que “heróis são aqueles que tombaram por nós”. Toda a escola de samba aplaudiu e chorou. 

     Wilson e seus parceiros apresentam nestes sambas, além da referência do morro da Mangueira, um tema da época que era a questão do patriotismo, num momento de guerra, na qual era preciso ser herói, defendendo a pátria. A Era Vargas influenciando o mundo da música, sobretudo, do povo humilde o qual o samba representava. 

     O universo masculino e sua relação com o gênero oposto sempre esteve presente no samba, em geral, se impondo de modo machista e muitas vezes lidando com o desejo de liberdade da mulher. Novamente, Wilson Batista é o craque nessas histórias. Machista inveterado, conta em "Emília" que quer uma mulher que saiba lavar e cozinhar e que de manhã cedo lhe acorde na hora de trabalhar. Diz: “Só existe uma, e sem ela eu não vivo em paz. Emília, Emília, Emília eu não posso mais”; "Ai, que saudades da Amélia" de Ataulfo Alves e Mario Lago, é o clássico da música popular mais abominado pelas mulheres: “Amélia não tinha menor vaidade, Amélia que era mulher de verdade”. Amélia não fazia qualquer exigência, lavava, passava, “às vezes passava fome ao meu lado” 

     Em "Você vai se quiser" de Noel Rosa, o feminismo da letra de expõe um discurso moderníssimo: “Você vai se quiser/ Você vai se quiser/ Pois a mulher não se deve obrigar a trabalhar/ Mas não vai dizer depois/ Que você não tem vestido/ Que o jantar não dá pra dois”. 

     A Festa da Penha representou para a música popular da época pré-rádio uma possibilidade de trocas, de reconhecimento e de popularidade. “Era a principal festa popular carioca fora do carnaval”. Data do século XVIII a sua origem e era realizada em comemoração a Nossa Senhora da Penha. Foi, com tempo, sendo apropriada pela população afro-brasileira, que a princípio iria ocupar o lado de fora da igreja e deixando de ser somente uma festa de brancos e católicos (Diniz: 2006; p. 29). Lá, essa gente comercializava, aos pés das escadarias, seus quitutes, tocava suas músicas e assim, com o tempo, o que era apenas sobrevivência, foi sendo assimilada por toda comunidade. As músicas ganharam importância e seus sambistas, notoriedade. Todos os compositores e músicos da primeira geração, assim como os da segunda (as turmas do Estácio e da Mangueira) passaram por lá. Heitor dos Prazeres dizia que “naquele tempo não tinha rádio, a gente ia lançar música na Festa da Penha, a gente ficava tranqüilo quando a música era divulgada lá, que aí estava bem, que era o grande centro. Eu fiquei conhecido a parir da Festa da Penha” (Apud Diniz: 2006; p. 29). 

     Outra conquista moderna na área do transporte foi o bonde, sobretudo o elétrico, surgido nos últimos anos do século XIX. Uma crônica sem título de Machado de Assis (1985) conta a história da chagada do bonde elétrico. A crônica é de 16 de outubro de 1892 e tem no diálogo dos burros que puxam o bonde antigo, no qual reclamam da vida e falam do medo do desemprego e da desesperança do fim de carreira. Machado humaniza esses personagens, revelando preocupações típicas do homem diante das inovações que sempre trazem as inseguranças quanto ao futuro. Um dos burros argumentava que a tração elétrica, desde que estendida a todos os bondes, seria a senha para a sua liberdade. O outro contra argumentou que o colega não conhecia bem a história da espécie, obviamente, entendendo que a tradição do jugo imputado pelo homem trataria de arranjar outras ocupações para os pobres (Assis: 1985; pp. 550-551). 

     Na música da primeira metade do século XX, foi um grande mote para que episódios cotidianos ganhassem destaque na poesia e na prosa do samba. A famosa e competente parceria de Wilson Batista e Ataulfo Alves resultaria num dos clássicos do samba dos anos 1940: "O bonde de São Januário", que inseria o tema no contexto político da época. A apologia ao trabalho estava em alta com o Estado Novo, portanto, “a boemia não dá camisa a ninguém, quem trabalha é que tem razão”. “O bonde São Januário/ Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar”. Em outro samba, "... E o 56 não veio", o mesmo Wilson e Haroldo Lobo retratam o amor: “Será que ela não veio por que se zangou/ Ou o bonde Alegria descarrilou” (Diniz: 2006). 

Araci de Almeida


(In: SAMBA E MODERNIDADE - O samba como agente transformador na primeira metade do século XX)



Fontes:

ASSIS, Machado de. Crônica (107) / A Semana / 1892. In: COUTINHO, Afrânio (org.). Obra Completa. Vol III. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.

CANDIDO, Antonio. "Dialética da Malandragem (caracterização das Memórias de um sargento de milícias)" in: Revista do Instituto de estudos brasileiros, nº 8, São Paulo, USP, 1970, pp. 67-89. Disponível em: http://antivalor2.vilabol.uol.com.br/ textos/outros/candido_01.html

DAMATA, Gasparino (Org.). Antologia da Lapa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007.

DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

MATOS, Claudia. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.



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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Algumas coisas que sei sobre Los Hermanos


Há muito tempo tento escrever algo sobre Los Hermanos, uma banda diferente e que me surpreendeu profundamente. No instante em que ouvi o cd “Bloco do eu sozinho”, percebi que algo novo e especial estava acontecendo, algo incomum, que não se vê a toda hora. Não consegui escrever. Precisava de tempo para entender e digerir aquela novidade boa. Tenho por costume dar um tempo às coisas e somente escrever depois de um maior distanciamento. Isso ajuda contra possíveis ruídos do calor da hora. Mas, o fato é que passados mais de dez anos, a dificuldade continua a mesma. A banda já até se desfez e as impressões sobre ela continuam de difícil explicação. Vou tentar fazer um apanhado bem pessoal. É o jeito! 

A primeira vez que vi a banda foi na televisão, num programa “teen” da TVE, tocavam o hit “Anna Júlia”. Obviamente, aquilo não me disse nada. Mais uma dessas bandas que tocam música para puro entretenimento dos jovens adolescentes. Não dei importância e passou. Claro que eu já tinha ouvido a música, que então tocava exaustivamente nas rádios, cujo refrão choroso e chato teimava em colar em nossa memória: “Oh, Anna Júlia, aaaaa!/ Oh, Anna Júlia, aaaaa!”. 

Anna Júlia



O que mais me chamou a atenção na audição do segundo cd da banda (Bloco...), além da grande surpresa por saber que aquela era a mesma banda da tal menina Anna Júlia, foi o estilo diferente que remetia a uma memória de coisas que eu admirava na música de antigamente. Lembrava também de coisas que eu compunha ainda bem menino com uma banda de rock (Os Bops), que formei com um amigo real e outros dois invisíveis. Sim, porque éramos um quarteto formado apenas por dois meninos. Los Hermanos faziam com que me lembrasse dessa época ingênua e rica, quando escrevíamos coisas como “A estrela no céu/ Meu bem lembrarei de você” ou “A estrela do sul começou a brilhar/ Os caminhos desertos para nos acompanhar”. Algumas ideias de arranjos muito próximas das que imaginávamos e executávamos de boca, repetindo sempre pra não esquecermos, pude ouvir nesse disco, como a introdução no teclado de “A Flor”, a primeira música deles que curti. 

A Flor


Letras simples (a princípio), diferentes do que se via até então em bandas de rock, como “Veja bem meu bem”, cuja melodia parece "flertar" com a música romântica dos 70, considerada “brega” pela crítica especializada. “Enquanto isso, navegando eu vou sem paz/ Sem ter um porto, quase morto, sem um cais/ E eu nunca vou te esquecer amor/ Mas a solidão deixa o coração neste leva e traz”. 

Salvo alguns poucos que já nascem clássicos, é comum o amadurecimento paulatino dos artistas no decorrer da obra. Porém, com Los Hermanos acontece um verdadeiro salto de qualidade do primeiro para o segundo trabalho. Parece que os caras amadurecem mesmo de vez a partir de então. Ainda assim, é possível encontrar uma pérola como “Quem sabe” já neste primeiro trabalho, que de fato, é muito fraco. Mas o “Bloco” é muito bom. É surpreendentemente bom. Incrível essa virada, esse desabrochar artístico e lírico da banda. Fica até difícil citar músicas especiais já que praticamente todo disco é genial. Por força, destaco “A Flor”, “Retrato pra Iaiá”, "Casa Pré-Fabricada”, Cadê Teu Suin?”, “Cheir Antoine”, “Adeus Você”, “Todo Carnaval Tem seu fim” e a antológica “Sentimental”. Esta última, composta por Rodrigo Amarante, é de uma inspiração fora do comum. Linda, linda. 

Sentimental ao vivo



O trabalho seguinte, "Ventura", confirma a maturidade e o talento do grupo que continua a escrever letras e a compor melodias inovadoras. Sempre tratando de assuntos inusitados, nele se vê temas como o amor na terceira idade, como em "Último Romance" e "Conversa de botas batidas". No primeiro, Amarante descreve a surpresa de um novo romance quando não se esperava mais nada além de um jornal, uma fila de pão e uma tv: "... e ir aonde o vento for/ Que pra nós dois/ Sair de casa já é/ Se aventurar". Na segunda, Camelo supõe um diálogo entre um casal maduro que se encontra prestes a um desastre fatal. (contam que a história da música fala de um casal que morreu no desabamento de um prédio - pequeno hotel - do centro da cidade do Rio. Reza a lenda que o casal se encontrava há muito tempo ás encondidas): "Deixa o moço bater/ Que eu cansei da nossa fuga/ Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas/ Não ter o seu lugar". O mais interessante é que a história contada por Marcelo Camelo, baseada num fato real, teve por parte dele uma interpretação própria. Desde então, várias versões para o fato surgiram e virou lenda urbana, tornando a música ainda mais especial. Ainda em "O velho e o moço" o tema é abordado de forma bem clara: "Eu gosto é do gasto". Percebe-se nessas canções um elogio à velhice, uma importância que não se vê, em geral, entre os jovens. 


Último Romance e Conversa de botas batidas



Talvez um ponto chave para se entender o sucesso do grupo e até mesmo uma certa devoção por parte dos fãs, o que leva a relação à beira do fanatismo (quase religioso), seja o mote recorrente em quase toda obra que é um certo elogio do vencido, do sofredor. Los Hermanos traz, em sua obra, uma série de histórias de gente que sofre, em geral de amor, e que encontra em seus versos um certo alento, uma defesa para as derrotas. Gente que não é personagem principal das histórias que vemos sempre. A música "O Vencedor" resume bem tudo isso: "Eu que já não quero mais ser um vencedor/ Levo a vida devagar pra não faltar amor". Isso, a meu ver, bateu fundo em muita gente. Muitos se identificaram e acabaram por seguir a banda que os entendia. Então é possível ver no público dos hermanos uma mostra de muitas minorias. Em geral, pessoas românticas (muito românticas), gente que se identificava e que se achou nos shows dos caras. 

O Vencedor




É impressionante o que as imagens do vídeo mostram da reação do público. Isso é rotina em todos os shows. O público sabe de cor todas (absolutamente todas) as músicas e não consegue ficar sem cantá-las junto com a banda. O show não vale como algo a ser apenas apreciado, mas para ser vivido conjuntamente. Não basta ver, tem que cantar também, com direito a olhinhos fechados e tudo. É fantástica a coisa. Não somente as meninas se entregam de corpo e alma, como também os rapazes, sem nenhum pudor, participam do que parece ser (e é) uma grande catarse. Obviamente, isso é uma interpretação pessoal, que a meu ver poderia render uma boa tese em antropologia. Não reflete, necessariamente, a verdade absoluta.

Algumas músicas remetem aos carnavais antigos, a ritmos como a marcha rancho de "A flor" e de "A outra", ou no som típico das fanfarras, como em "Todo carnaval tem seu fim". Aliás, os metais, clássicos das fanfarras, estão presentes nos arranjos desde o início e são fundamentais no resultado e na cara que a banda adquire. "Retrato pra Iaiá" apresenta um clima meio caribenho bem tocado nos anos pré-bossanovistas, quando a música latina invadiu as rádios do país. Ela é ótima e apresenta uma forma de composição em duas partes bem distintas, o que dá uma inventividade que agrada e refresca a música. Depois, em "4", seu quarto disco, vimos repetido esse ritmo em "Paquetá" com a mesma eficiência. Arranjos bem bolados que dialogam com as letras, também funcionam e muito bem, como quando em "Conversa de botas batidas", em sua versão ao vivo, o trompete anuncia, desesperadamente, o fim que chega: "Veja você, quando é que tudo foi desabar/ A gente corre pra se esconder/ E se amar, se amar até o fim/ Sem saber que o fim já vai chegar".

A Outra 



O último trabalho, "4", traz “Morena” (de Marcelo Camelo) e “O Vento” (de Rodrigo Amarante) puxando um setlist que contém “Condicional”, “Horizonte Distante”, “Primeiro Andar”, “Pois é” e “Sapato Novo” entre outras. Esta última canção é de tamanha introspecção que tanto a melodia como o canto de Camelo me fez lembrar (não sei bem por que) do “Rei” cantando “Madrasta”, composição de Renato Teixeira e Beto Ruschell dos anos 60. A gravação de Roberto Carlos é intimista e calma como a de Marcelo. 

Morena e O Vento





Los Hermanos são como as bandas que você ama ou odeia. Ficar indiferente é que não é fácil. Outro dia, um amigo que gosta muito de música e que não costuma ter preconceito me disse que não curte a banda. Que ela é estranha e por isso não consegue gostar. Não consegue ver aonde está a graça. Apesar de considerar que ali existe um contexto, um conteúdo bem definido, aquilo não faz o seu gênero. Beleza, isso é mesmo uma questão de gosto. Nesse papo, ele menciona que o que ele gosta menos é do Rodrigo Amarante. Acha que o seu jeito meio desleixado, cantando um tanto (ou muito) largado, com a voz rouca, quase ininteligível... _como um bêbado, eu disse. _É, isso mesmo – confirmou. 

_Pois é. Disse eu. _Exatamente por isso que eu gosto dele. Por detalhes como este que eu e muitos milhares de fãs gostamos dos irmãos. Vai entender! 

Quem sabe


Los Hermanos são:
Marcelo Camelo - Voz, guitarra e baixo
Rodrigo Amarante - Voz, guitarra e baixo
Rodrigo Barba - Bateria
Bruno Medina - Teclados



Confira a discografia da banda


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Horário do Fim






Morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento



Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"