segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Zé Renato e Claudio Nucci, uma celebração da amizade!

Na última quarta-feira, 25 de setembro, fui assistir ao show da dupla, a qual comentei por ocasião da postagem "Pelo sim pelo não". Estava ansioso por essa oportunidade de vê-los juntos, pois ainda não tivera essa chance. Assistimos Rita e eu, juntamente com nossos amigos, Marcio e Eliana ao show do Zé Renato trio (Rômulo Gomes, baixo e vocal e Tuty Moreno, bateria e, é claro, Zé no violão e voz), alguns meses atrás, e foi muitíssimo bom. Lavei a alma. Porém, movido pelos últimos acontecimentos à respeito de um "resgate" que cito em outro post "Enquanto isso..." e todos os seus desdobramentos pelos comentários ( incluindo o do próprio autor), pelos vídeos do meu canal no Youtube, descobertos pelo poeta e parceiro da dupla Juca Filho etc., estava especialmente afim de assisti-los ao vivo. Pois bem, chegada a oportunidade, fomos Rita e eu para a porta do pequeno, mas charmoso e aconchegante Teatro I do Sesc da Tijuca. O show começava às 20h e o espaço lotou fácil. 

É engraçado como conseguimos nos surpreender com o resultado daquilo que já  temos certeza de como será. Sabia que seria bom, mas de cara, a dupla inicia o espetáculo com o nível lá em cima. Digo, níveis de qualidade porque eles iniciam com "Tupete", música composta pela dupla para o repertório da Banda Zil (da qual ainda devo falar por aqui). Cabe dizer que a música não tem letra e é praticamente toda vocalizada. É uma música difícil de tocar e de cantar. Outra dificuldade, para quem conhece bem a versão gravada pela banda é que nela, sete músicos participam com seus instrumentos e vozes. Sim, porque, embora na Banda Zil a dupla fosse responsável pelas vozes e pelos vocais principais, quase todos, ou todos, também contribuíam no canto. Nessa música, por exemplo, em uma das últimas partes, vários deles participam do vocalize, bem ao estilo Boca Livre. Então, assim que ouvi os primeiros acordes, pensei: vai ser f... E fiquei curioso e torcendo por eles. A dupla com seus violões e arranjos fazia parecer que eram quatro. E eram: duas vozes e dois violões. Mas tinha hora que parecia haver percussão, baixo etc. O Claudio me surpreendeu também com seu violão. Havia muito tempo que não o assistia e pude perceber como está em forma também, como o Zé. No início dessa música, existe uma série de acordes que serve de introdução, mas que continua a medida que as vozes entram. O problema é que sua métrica não serve necessariamente para o canto. De modo que tocar esses acordes e cantar ao mesmo tempo, mal comparando, lembra um pouco o João Gilberto, cuja voz vai para um lado e o violão para o outro. O Claudio deu uma de João Gilberto e, com muita técnica, tocava uma coisa e cantava outra. O detalhe é que ambas as coisas eram complexas. Fantástico!

Tentarei ser mais sintético, pois minha prolixidade adora parágrafos enormes. Se na primeira já resultou em toda essa história, imagine quando chegarmos ao final desse show...

Não consigo me lembrar de todo setlist, tampouco a ordem, mas me lembro que ele abriu com a que acabo de mencionar e fechou no bis com "Quem tem a viola" (Zé Renato, Xico Chaves, Cláudio Nucci e Juca Filho) . Como o show começou em alto nível, a segunda, uma das mais belas, na minha humilde opinião, foi "Atravessando a cidade" letra e música de autoria de Juca Filho. Uma canção do álbum que mencionei "Pelo sim pelo não", clássico trabalho e único registrado pela dupla. Essa música apresenta uma série de atributos que a tornam o que é. Sua tonalidade e suas notas possibilitam que o canto dos dois evolua limpo, sereno, suave. Enquanto escrevo, ouço-a para me inspirar, tal a importância de sua audição. Possibilita também o canto em duas vozes, típicas das duplas folks ou caipiras. 

Outro ponto alto e que me surpreendeu, foi a escolha por uma composição de Caetano Veloso: "Cá ja", do seu disco "Muito", de 1978. Acertaram em cheio. Adoro essa música e ela ficou muito boa nas suas vozes. Caetano adoraria, com certeza ("ou não"). Ou sim, senhor! Linda, linda.

Cantaram ainda "A Hora e vez", dos dois com Ronaldo Bastos, Pelo sim pelo não", da dupla com Juca Filho e "Papo de passarim" de Zé Renato e Xico Xaves. Todas do disco de 1985 da dupla. Do álbum de estréia do Boca cantaram "Toada" (Zé Renato, Claudio Nucci e Juca Filho), devidamente acompanha pela platéia (e não poderia deixar deixar de ser assim, se não perderia a graça); a doce e romântica  "Diana" de Toninho Horta e Fernando Brant, a já citada "Quem tem a viola" e "Mistérios", de Maurício Maestro e Joyce. 

Ainda mandaram ver com "Lamento Sertanejo": melodia de Dominguinhos com letra de Gilberto Gil, emocionando a todos, na homenagem ao querido músico da sanfona, falecido há pouco tempo; "Matança", de Jatobá, um protesto ecológico, gravado por Xangai e Geraldo Azevedo no antológico "Cantoria1" ( Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai) e "Blackbird", de um "grupinho", que segundo os dois estavam dando uma força: The Beatles. Ainda lembraram de algumas canções antigas e cada um cantou uma nova, O Zé de parceria com a Joyce e o Claudio com a Ana Terra, pra não ficar pra trás. Pouco, né?

No meio de tudo, ainda levaram "Quero, Quero", de Claudio Nucci e Mauro Assumpção, "Acontecência", de Nucci e Juca Filho e talvez, a única daquela fita K7, já tão citada e famosa por aqui pelo blog, "Sapato Velho", de Mu Carvalho (A cor do som), Claudio Nucci e Paulinho Tapajós. Disse talvez, porque tenho a impressão do Nucci ter cantado a linda "Tiça", também desse trabalho e de sua autoria. Acho que cantou sim. Foi tão emocionante que acabei por me deixar levar na viagem.

No final, fugi do meu estilo, quebrando o meu protocolo. Pedi autógrafos, que das letras não consigo decifrar, só sei que são suas assinaturas. Bem, os caras já cantam pra caramba... Tirei fotos que não sairam lá essas coisas. A do Zé saiu toda tremida. A máquina cismou de falhar na hora errada. Dei um gostoso abraço no Claudio que se lembrou do Chico do Blog do Chico. Foi legal.

O melhor de tudo foi poder apreender a mística da dupla e curtir a harmonia que rola quando os dois se apresentam. São velhos amigos (dos tempos ainda da adolescência), se formaram juntos. Foi muito bacana reparar no olhar de um para o outro, como querendo dizer é agora, é sua, manda ver. Reparar no olhar carinhoso mútuo como querendo dizer (e muito certamente): "estamos aqui novamente, como nos velhos tempos e como sempre será, porque somos irmãos, porque somos amigos". Eu estava bem perto, eu vi!




sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Um, dois, três anos de blog do chico




42.737 visualizações
Há exatamente três anos decidi criar esse espaço, a partir da dica e incentivo do Marcelo Brum (geólogo, amigo do trabalho) que, mostrando o blog dele para mim, perguntou-me porque não fazer um também. 

O tempo e as postagens com seus inúmeros comentários e curtições mostraram que a decisão foi super acertada. Tem sido, como já falei muitas vezes, muito prazeroso poder usar esse espaço bem pessoal para poder me expressar quanto aos mais variados assuntos. Tenho feito retrospectos anuais nas postagens comemorativas como em Blog do Chico: um ano de vida! e Dois anos de Blog do Chico nos quais agradeço aos amigos que me seguem e que comentam por aqui. Àqueles que me sugerem temas direta ou indiretamente. E posso afirmar que isso tem acontecido bastante, o que comprova a boa interação do blog com o seu público. É bem verdade que ainda tenho muita coisa que escrever, mas não consigo dar conta como gostaria. Se parar pra pensar, posso lembrar de pelo menos cinco ou seis temas que resultariam em no mínimo um artigo para cada um. Sem contar os temas que exigem vários artigos que atendem a várias possibilidades de entendimento. Exemplo do samba, tema sobre o qual produzi vários textos a partir da minha monografia.

Que bom que chegamos aqui. Continuo contando com a pequena ajuda de meus amigos, como na música dos Beatles. Aliás, preciso e quero escrever sobre a experiência de conhecer e curtir a banda de Liverpool. 

Então é isso, ao invés de somente falar do passado, quero falar do futuro, até como um compromisso revelado, em minhas próximas postagens. Quero e pretendo escrever sobre bossa-nova, Tom Jobimmúsica e tempo, filmes e livros que marcaram, shows que assisti como o da última quarta-feira da dupla Zé Renato e Claudio Nucci. Quero falar mais sobre política, sociedade, história etc.

Fica aqui meu abraço a todos os amigos que acompanham esse espaço e meu desejo que continuem participando e colaborando para que este seja sempre um local virtual de encontro. De bons encontros.


Chico Furriel

sábado, 14 de setembro de 2013

O mito da democracia racial e a mídia

Uma breve introdução histórica

A história do Negro no Brasil inicia-se quase que simultaneamente ao descobrimento deste país. Já nas primeiras décadas do século XVI, os negros escravizados no continente africano eram trazidos para o ciclo econômico da cana-de-açúcar. “A partir de 1549, intensificou-se o tráfico negreiro para estas regiões, principalmente em razão dessa florescente cultura agrícola. Em 1559, o tráfico foi legalizado por iniciativa de um decreto do rei D. Sebastião, pelo qual ficava autorizada a captura de negros na África para o trabalho em território brasileiro”(ver ref. 1).

Segundo Nei Lopes(2), importante pesquisador e músico ligado às lutas pelos direitos de igualdade dos negros na sociedade brasileira, o deslocamento de grande contingente de negros acompanhou as mudanças desses ciclos econômicos. Primeiro com a lavoura da cana-de-açúcar, no nordeste, depois, já no século XVIII, com o ciclo do ouro, na Região das Minas e finalmente, com o período do café, no século XIX, no sudeste do país, sobretudo na região do Vale do Paraíba.

Na segunda metade do século XIX, vários fatores como a crise do café, a partir de 1860: a grande seca do sertão nordestino nos anos de 1877 à 1879; a abolição do trabalho escravo em 1888 e o término a Guerra de Canudos em 1897 contribuíram para que um grande número de negros e mestiços migrasse para as metrópoles, principalmente, a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império e da República que estava por vir, em busca de trabalho e de sobrevivência. Além disso, “entre 1871 e 1920, o Brasil recebeu 3,3 milhões de imigrantes, provenientes da Alemanha, Itália, Portugal, Ucrânia e Polônia”(3), para substituir a mão-de-obra escrava, e também para, segundo uma política “racista” do Governo do país e de grande parte das elites, embranquecer a população.

No caso do Rio de Janeiro, com a chegada da República e o desejo de dar à paisagem da cidade uma aparência européia, inicia-se uma política de embelezamento e racionalidade que consiste em abrir novas e largas avenidas, derrubadas de prédios velhos, os chamados cortiços, limpeza e saneamento das ruas do Centro. Desse modo, a população pobre, de grande maioria negra é obrigada a se mudar para as periferias, como as das regiões da Praça Onze e da Cidade Nova, como também a ocuparem os morros próximos, como os da Conceição, no bairro da Saúde e da Providência (morro da Favela), na Gamboa. A política urbanizadora do Prefeito Pereira Passos, inicia-se em 1902 e segue até 1906, a qual foi conhecida popularmente por “Bota abaixo”. Começa aí a história da “cidade partida”.(4)


Democracia Racial?

Apesar das dificuldades e extremas diferenças entre os vários níveis sociais, a convivência era uma real possibilidade. A periferia, nas primeiras décadas do século XX não era tão distante assim do centro da cidade e a chamada classe média da época convivia quase misturada aos mais pobres da cidade. Com a chegada dos anos 1930 e o início da “Era Vargas”, com sua proposta de modernização do país, a sociedade representada, sobretudo, por sua intelectualidade passa a pensar o Brasil, sua cara, sua gente. O conceito de brasilidade passa a ser perseguido e discutido. Nesse período é que o elemento negro ganha força. O samba passa a ser a música que mais reflete a nossa gente, o governo do Estado Novo passa, inclusive, a subvencionar os desfiles das novíssimas Escolas de Samba, incentivando os temas históricos, de cunho nacionalista. 

Nesse período, teses como a de Gilberto Freire ganha força. “O ideal da miscigenação adquire nova roupagem, segundo Martiniano J. Silva , com a obra "Casa Grande e Senzala", escrita pelo historiador e sociólogo Gilberto Freyre, passando a ser vista como mecanismo de um processo, o qual tem como fim a democracia racial. Segundo Clóvis Moura, Gilberto Freyre caracterizou a escravidão no Brasil como composta de senhores bons e escravos submissos. O mito do bom senhor de Freyre é uma tentativa no sentido de interpretar as contradições do escravismo como simples episódio sem importância, e que não teria o poder de desfazer a harmonia entre exploradores e explorados durante aquele período”(5).

“O morro não tem vez/ E o que ele fez já foi demais/ Mas olhem bem vocês/ Quando derem vez ao morro/ Toda cidade vai cantar”. Essas estrofes da música de Vinícius de Moraes e Tom Jobim de 1963, “O morro não tem vez”, denunciam que a voz do morro, daqueles compositores pobres e negros que criaram o “ritmo genuinamente brasileiro”, está esquecida e que esse mesmo contingente negro que teria atuado como o principal agente da formação de uma musicalidade respeitada internacionalmente, está sem vez. Essa denuncia evidencia o que a história da música brasileira conta como que, depois de um período áureo dos anos 1920 aos 1940, o samba e os seus artífices perdem valor na então nova indústria cultural. 

Quando tudo ainda estava em formação, a contribuição e a participação direta dos compositores e cantores negros foi fundamenal e aceita. Porém, a medida que uma classe média, formada por maioria branca, aprende a fazer samba, os compositores, ditos espontâneos começam a perder espaço na indústria cultural da época: gravadoras, rádios e teatros de variedades. “Noel Rosa, por exemplo, que começou a compor e a gravar sambas em 1930, quando morreu, em 1937 tinha 140 músicas gravadas. Cartola, que em 1928 levou à cera o seu primeiro samba, quando Noel morreu havia gravado apenas 9 sambas”(6). O texto continua afirmando ser compreensível que isso houvesse ocorrido: como um compositor simples, semi-analfabeto, sem qualquer articulação junto aos produtores culturais, “poderia concorrer com o doutor Ary Barroso, advogado, com o acadêmico de medicina, Noel Rosa, ou com o bacharel em letras Lamartine Babo?”(7)

Cartola, por exemplo, considerado pela crítica especializada como um dos maiores, se não o maior poeta do samba, nos anos 1940 caiu no ostracismo e foi encontrado após alguns anos lavando carros e trabalhando como porteiro em um edifício em Ipanema. Somente nos anos 1960 o samba e sua importância é resgatado para o bem da diversidade.


O novo mito da democracia racial e a mídia

O fotógrafo Januário Garcia(8), um dos principais ativistas dos direitos pela igualdade dos negros na sociedade brasileira, afirma em seu livro “25 anos do Movimento Negro no Brasil: “é por isso que reafirmo que nossos livros é que vão contar nossa História, porque nossa revolução, com certeza, não será televisionada.”

Januário está coberto de razão. Com a experiência de quem luta há tanto tempo pelo espaço democrático ao qual todos tem direito, como reza a constituição de um Estado democrático de direito, sabe que infelizmente, na prática esses direitos não são respeitados e aqueles que sofrem maiores preconceitos, como no caso da população negra, não conseguem espaço para mostrarem seu valor e para crescerem na sociedade em iguais condições.

Nenhum tipo de veículo de comunicão tem o poder comparável ao da televisão. Com a industrialização do país e a formação de uma sociedade de consumo, a TV a partir dos anos 1950 começa a tomar para si o poder da formação de uma opinião pública. O professor Dennis de Oliveira(9) da USP, em artigo da web cita o sociólogo Otávio Ianni que chama a mídia de “príncipe eletrônico”, referência ao “príncipe”, de Maquiavel, que seria competente em analisar as condições objetivas dadas (fortuna) para fazer valer a sua vontade (virtu). Ianni afirma que “a globalização, por exemplo, ocorre fundamentalmente pela circulação mundial de símbolos nas redes midiáticas, muito mais que pelas possibilidades de circulação de pessoas. Assim, a mídia não só exerce sua hegemonia ao apresentar determinadas posições e visões de mundo como dominantes, mas também por construir um cenário de tal forma que as possibilidades de exercício da política se restringem a ações que não contestem a ordem estabelecida”. Desse modo, a TV será sempre a salvaguarda dos símbolos que o sistema político defende. 

No documentário “A negação do Brasil” de 2000, o diretor Joel Zito Araújo faz um retrospecto da história das telenovelas no Brasil e aos papeis atribuídos aos atores negros. Os personagens são apresentados de forma estereotipada e negativa. O autor denuncia essa prática negativa, escondida sob o mito da democracia racial, e faz um manifesto pela inclusão positiva do negro nas imagens televisivas do país. 

O documentário pontua os estereótipos bem conhecidos como o de “mamãe Dolores”, interpretada por Isaura Garcia em o “Direito d Nascer”, de 1964-1065, um dramalhão de grande sucesso, no qual transparece um ideário da “grande mãe”, modelo norte-americano, visto em vários filmes de Hollywood. A atriz Isaura Garcia morreu na pobreza e esquecida pelo público. 

Em outro momento, mostra um dos grandes disparates da TV sobre o tema racial, a novela “A Cabana do Pai Tomáz”, de 1969, na qual o ator branco, Sergio Cardoso interpreta o personagem título Pai Tomáz, “cedendo a exigência dos patrocinadores. Com esta telenovela foi inaugurada na televisão brasileira o blackface, muito comum no início do cinema americano, onde os atores brancos eram pintados de preto, encarnando uma visão, uma imagem, pretensamente positiva que os brancos poderiam ter dos negros: o negro de alma branca, bondoso, serviçal e fiel. O blackface só lembra todo tempo ao espectador que a alma branca esta sob a pele negra (10)”

Nos anos 1970 prevaleceram as novelas cujas histórias apresentavam os negros em papeis subalternos e as do período escravista, mostrando os estereótipos da versão oficial de que a libertação dos escravos foi uma dádiva dos brancos. Nesse período as novelas “Escrava Isaura” e “Sinhá Moça”. “Entre 1980 e 1990, de acordo com Zito, houve algumas mudanças, em destaque, as representadas pela telenovela Corpo a Corpo, onde aparece uma personagem vítima de preconceito racial, Sonia, vivida pela atriz Zezé Motta. Estas duas décadas são consideradas pelo autor como um período de ascensão do negro na telenovela brasileira. No entanto, teria permanecido no mesmo veículo a construção de uma identidade de “branquitude” na sociedade brasileira, onde as imagens dominantes, em especial dos subtextos, reforçam o elogio dos traços ‘brancos’ como o ideal de beleza dos brasileiros”(11)

“Ao exaltar determinadas qualidades da população afrodescendente, o que a mídia faz não é avalizar a luta contra o racismo, mas demonstrar que é possível a superação do racismo nos marcos da sociedade liberal – mais que isto, que a sociedade liberal é a única forma de se pensar a superação do racismo. Por isto, ao lado da divulgação de dados que mostram as desigualdades entre brancos e negros, o que evidencia o caráter racista no Brasil, a mídia se posiciona contra as ações afirmativas e qualquer política específica de combate ao racismo. A neodemocracia racial midiática reconhece o racismo mas despolitiza-o e retira a sua componente estrutural, uma vez que é intocável o contrato social estabelecido dentro dos marcos da sociedade liberal.”(12)


(Este artigo foi feito em parceria com minha colega de turma Isabel Cristina Correia para uma disciplina transversal sobre comunicação e mídia)
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(1) Disponível em : http://ww1.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=2852
(2) LOPES, Nei. Introção. In: O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical: partido alto, calango, chula e outras cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.
(3) Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-populacao-brasileira/brasil-um-pais-de-migrantes.php
(4) Termo criado por Zuenir Ventura em seu livro “Cidade Partida” de 1994.
(5) Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia_racial_no_Brasil
(6) e (7) SILVA, Marília Trindade Barboza da (Coord.). 500 anos, da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: MIS Editorial, 2001.
(8) GARCIA, Januário. 25 anos 1980-2005: movimento negro no Brasil = 25 years of the black movement in Brazil / Concepção, organização e fotografia Januário Garcia. – 2. ed. – Brasília, DF: Fundação Cultural Palmares, 2008.
(9) Disponível em: http://www.orunmila.org.br/blog/?p=72
(9) Disponível em: http://www.uff.br/mestcii/eliana1.htm
(10) Disponível em: http://www.uff.br/mestcii/eliana1.htm
(11) Disponível em: http://www.orunmila.org.br/blog/?p=72
[1] Disponível em: http://www.uff.br/mestcii/eliana1.htm
[1] Disponível em: http://www.orunmila.org.br/blog/?p=72

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A Época de Ouro da Música Popular Brasileira



Por “Época de Ouro” da música brasileira, entende-se o período iniciado com a revolução da turma do Estácio, já falado neste trabalho, passando por Noel Rosa e outros compositores e artistas que apareceriam a partir dos anos 1930. Jairo Severiano considera o período 1929-1945 como tempo delimitador dessa Era que vê surgir um grande número de artistas talentosos de uma mesma geração, a geração de 30 (Severiano: 2008; pp. 107-111).

Participaram do início dessa geração compositores como Ary Barroso (1903-1964), Lamartine Babo (1904-1963). O primeiro, dedicado ao samba, foi também radialista e apresentador de programa de auditório de grande respeito e importância. Mineiro, mudou-se para o Rio de janeiro aos 18 anos e ali se radicou. Autor dos clássicos Aquarela do Brasil e Na Baixa do Sapateiro, foi um dos principais autores do gênero samba exaltação. O segundo, surgido também no final dos anos 1920 e, juntamente a João de Barro, se tornaria o fixador do gênero marcha. João de Barro ou Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga, 1907-2006). Foi um dos compositores que mais se destacaram por sua grande produção, principalmente nas marchas carnavalescas. Como Noel, também integrou o Bando de Tangarás, iniciando em 1929 sua carreira (Idem: 2008; pp. 107-111).

Outros artistas como o melodista Joubert de Carvalho (1900-1977), Custódio Mesquita (1910-1945), André Filho (1906-1974), autor de Cidade maravilhosa, Alberto Ribeiro (1902-1971) autor de 85 músicas com João de Barro, também fazem parte deste contexto. O letrista Orestes Barbosa (1898-1966), autor das antológicas Chão de estrelas e Arranha-céu (canção e valsa, respectivamente), ambas em parceria com Silvio Caldas, de 1937, também contribui com o talento de sua poesia (Idem: 2008; pp. 107-111).

Grandes cantores se juntam a esses compositores. Mario Reis (1907-1981), ex-aluno de violão de Sinhô na década anterior, surge com um estilo diferente de cantar, explorando as novas possibilidades do microfone e da gravação elétrica. Seu canto coloquial e intimista marcou a época na qual sinônimo de bom cantor era aquele que possuía potência de voz e impostação (Idem: 2008; pp. 107-111).

Carmen Miranda (1908-1955), primeira cantora a alcançar grande sucesso nacional e que viria a se tornar a maior estrela da música brasileira no estrangeiro, surge no início desta década de 1930. É de janeiro deste ano seu disco de estréia. A Pequena Notável, como ficou conhecida, foi amiga dos grandes compositores da época, gravando praticamente todos eles. Na lista estão Ary Barroso (Na Baixa do Sapateiro), Lamartine Babo (Cantores do rádio c/ Aberto Ribeiro e João de Barro), Assis Valente (Camisa listrada), Dorival Caymmi (O que é que a baiana tem), João de Barro (Primavera no Rio), Sinval Silva (Adeus batucada), André Filho (Alô, alô), Zequinha de Abreu (Tico- tico no fubá), para citar um exemplo de cada. Se tornaria a Brazilian Bombshell de Hollyhood, chamando a atenção do mundo para a música do Brasil (Idem: 2008; pp. 107-111).

Neste mesmo início de ano, surge Silvio Caldas (1908-1998), o caboclinho querido, um dos ícones da seresta e que manteve uma longa carreira de mais de cinqüenta anos. Foi amigo de cantores como Orlando Silva, Mario Reis e Francisco Alves, formando com estes um seleto e respeitável grupo de estrelas da época; Almirante (Henrique Foreis Domingues, 1908-1980), cantor e amigo de Noel e Braguinha e depois produtor de rádio e pesquisador de música popular, sendo considerado a maior patente do rádio, por seu apelido de Almirante; Moreira da Silva (1902-2000) notabilizou-se como o maior intérprete do samba-de-breque. Seu nome é quase sinônimo deste gênero musical; o conjunto vocal Bando da Lua foi o pioneiro neste estilo, influenciando tantos outros que surgiriam. Liderado por Aloysio de Oliveira (que mais tarde seria um grande produtor musical, tendo trabalhado com João Gilberto e Tom Jobim entre outros da bossa-nova), o grupo acompanharia Carmen Miranda até o final de sua carreira. Com a morte de Carmen em1955, o grupo também se dissolveu (Idem: 2008; pp. 107-111).

Dentre os instrumentistas que surgiram ou já estavam atuando nesta época de ouro, destacam-se alguns como o grande pianista-compositor-arranjador Radamés Gnattali (1906-1988) que atuou nas áreas erudita e popular; o chorão, compositor e líder mais famoso regional da Era do Rádio, Benedito Lacerda (19031958), tendo sido o principal flautista de sua geração; o multiinstrumentista Garoto (Aníbal Augusto Sardinha, 1904-1987) detinha grande maestria nas cordas dedilhadas. Dominava como poucos o violão, o volão-tenor, o banjo, o bandolim, o cavaquinho e até a guitarra havaiana; completando este time, o bandolinista Luperce Miranda (1904-1977), chorão e compositor recifense (Idem: 2008; pp. 107-111).

Outros nomes da geração anterior também atuam, abrilhantando esta fase. Estão entre eles estão os cantores Francisco Alves, (o Rei da Voz, 1898-1952), Vicente Celestino (1894-1968), Patrício Teixeira (1893-1972), Aracy Cortes (19041985) e Paraguaçu (Roque Teixeira, 1884-1976); os músicos compositores Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana, 1897-1973), Josué de Barros (1888-1954), Donga (Ernesto dos Santos, 18901974), João da Baiana (João Machado Guedes, 1887-1974), Zequinha de Abreu (José Gomes de Abreu, 1880-1935), Heitor dos Prazeres (1898-1968) e os letristas Luís Peixoto (1889-1973) e Olegário Mariano (1889-1958) (Idem: 2008; pp. 107-111).

Orlando Silva, o Cantor das multidões (1915-1978), reinou absoluto como sua bela voz no período de 1937 a 1942. Juntamente ao seu antecessor, amigo e iniciador Francisco Alves e também de Silvio Caldas, formava o seleto grupo de cantores. Seu aparecimento é contado por Jonas Vieira, seu biógrafo. O autor conta que Orlando foi apresentado a Chico Alves por Bororó (Alberto de Castro Simões da Silva, 1898-1986), o compositor do samba Da cor do pecado, que o levou ao Café Nice onde estava o cantor. Depois de tentar, sem sucesso, encaminhar Orlando a um amigo diretor da rádio Cajuti, disse a Orlando que o acompanhasse: 

“... Disse que ele seria ouvido naquele mesmo dia,
pelo Francisco Alves, que se encontrava naquela hora
no Café Nice. Fomos ao seu encontro, Chico estava
com vários amigos na mesa, entre eles Antônio
Nássara, Orestes Barbosa, Ewaldo Rui, Eratóstenes
Frazão, Germano Augusto, Kid Pepe, Rubens Soares,
além de outros que não me lembro mais. Pedi ao
Chico para ir lá fora ouvir um rapaz que acabara de
me impressionar e ele prometeu que sairia em
seguida. Juntei-me outra vez a Orlando e, logo
depois, vieram Chico e quase todos aqueles nomes
que citei. Fiz a apresentação e o grupo saiu em
direção à rua Chile (...) O resto, todo mundo sabe. A
ascensão meteórica do Orlando, como nenhum outro
cantor, realmente incomparável em voz e
interpretação. Ninguém foi igual a ele” (Vieira: 2004;
pp. 65-66).

Ainda nomes como o de Herivelton Martins (1912-1992), Wilson Batista (1913-1968), Ataulfo Alves (1909-1969), Haroldo Lobo (1910-1965), Roberto Martins (1909-1992), Mario Lago (1911-2002) e Geraldo Pereira (1918-1955) entre tantos outros, só para citar os mais famosos, dão o tom do que foi essa época maravilhosa da música popular brasileira e, sobretudo, do samba. 

Durante toda a década de 1930, cerca de 32% do repertório gravado foi de sambas. Marca importante que mostra que o povo brasileiro assimilou este gênero musical rapidamente, minimizando assim, a influência do maxixe. Jairo Severiano considera que os maiores autores de samba da Época de Ouro, considerando os que optaram “como meio preferido de expressão” apenas este ritmo, são: Ismael Silva, Alcebíades Barcelos, Nilton Bastos, Armando Marçal, Ary Barroso, Noel Rosa, Wilson Batista, Ataulfo Alves e Geraldo Pereira. São deles verdadeiras obras-primas como Se você jurar, (de Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves, 1931), Para me livrar do mal (de Ismael Silva e Noel Rosa, 1932), Faceira e Morena boca de ouro (de Ary Barroso, 1931 e 1941), Com que Roupa e Último desejo (de Noel Rosa, 1931 e 1937), Agora é cinza e A primeira vez (de Alcebíades Barcelos e Armando Marçal, 1934 e 1940), O bonde de São Januário (de Wilson Batista e Ataulfo Alves, 1941), Emília (de Wilson Batista e Haroldo Lobo, 1942), Ai que saudades da Amélia (de Ataulfo Alves e Mario Lago, 1942) e Falsa Baiana (de Geraldo Pereira, 1944) (Severiano: 2008; pp. 173-174).

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SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008.

VIEIRA, Jonas. Orlando Silva, o cantor das multidões. 3ª ed. Rio

de Janeiro: FUNARTE, 2004.


(Monografia - parte) “SAMBA E MODERNIDADE - O samba como agente transformador na primeira metade do século XX” de 2010, de Francisco de Assis Furriel Gonçalves)


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