quinta-feira, 20 de junho de 2013

Borzeguim


(Tom Jobim)


Borzeguim, deixa as fraldas ao vento
E vem dançar
E vem dançar
Hoje é sexta-feira de manhã
Hoje é sexta-feira
Deixa o mato crescer em paz
Deixa o mato crescer
Deixa o mato
Não quero fogo, quero água
(deixa o mato crescer em paz)
Não quero fogo, quero água
(deixa o mato crescer)
Hoje é sexta-feira da paixão sexta-feira santa
Todo dia é dia de perdão
Todo dia é dia santo
Todo santo dia
Ah, e vem João e vem Maria
Todo dia é dia de folia
Ah, e vem João e vem Maria
Todo dia é dia
O chão no chão
O pé na pedra
O pé no céu
Deixa o tatu-bola no lugar
Deixa a capivara atravessar
Deixa a anta cruzar o ribeirão
Deixa o índio vivo no sertão
Deixa o índio vivo nu
Deixa o índio vivo
Deixa o índio
Deixa, deixa
Escuta o mato crescendo em paz
Escuta o mato crescendo
Escuta o mato
Escuta
Escuta o vento cantando no arvoredo
Passarim passarão no passaredo
Deixa a índia criar seu curumim
Vá embora daqui coisa ruim
Some logo
Vá embora
Em nome de Deus é fruta do mato
Borzeguim deixa as fraldas ao vento
E vem dançar
E vem dançar
O jacu já tá velho na fruteira
O lagarto teiú tá na soleira
Uirassu foi rever a cordilheira
Gavião grande é bicho sem fronteira
Cutucurim
Gavião-zão
Gavião-ão
Caapora do mato é capitão
Ele é dono da mata e do sertão
Caapora do mato é guardião
É vigia da mata e do sertão
(Yauaretê, Jaguaretê)
Deixa a onça viva na floresta
Deixa o peixe n'água que é uma festa
Deixa o índio vivo
Deixa o índio
Deixa
Deixa
Dizem que o sertão vai virar mar
Diz que o mar vai virar sertão
Deixa o índio
Dizem que o mar vai virar sertão
Diz que o sertão vai virar mar
Deixa o índio
Deixa
Deixa


Passarim


(Tom Jobim/ Paulo Jobim)

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro partiu mas não pegou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Me diz o que eu faço da paixão?
Que me devora o coração..
Que me devora o coração..
Que me maltrata o coração..
Que me maltrata o coração..

E o mato que é bom, o fogo queimou
Cadê o fogo? A água apagou
E cadê a água? O boi bebeu
Cadê o amor? O gato comeu
E a cinza se espalhou
E a chuva carregou
Cadê meu amor que o vento levou?
(Passarim quis pousar, não deu, voou)

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro feriu mas não matou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Cadê meu amor, minha canção?
Que me alegrava o coração..
Que me alegrava o coração..
Que iluminava o coração..
Que iluminava a escuridão..

Cadê meu caminho? A água levou
Cadê meu rastro? A chuva apagou
E a minha casa? O rio carregou
E o meu amor me abandonou
Voou, voou, voou
Voou, voou, voou
E passou o tempo e o vento levou

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro feriu mas não matou
Passarinho, me conta então, me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Cadê meu amor, minha canção?
Que me alegrava o coração..
Que me alegrava o coração..
Que iluminava o coração..
Que iluminava a escuridão..
E a luz da manhã? O dia queimou
Cadê o dia? Envelheceu
E a tarde caiu e o sol morreu
E de repente escureceu
E a lua, então, brilhou
Depois sumiu no breu
E ficou tão frio que amanheceu
(Passarim quis pousar, não deu, voou)
Passarim quis pousar não deu
Voou, voou, voou, voou, voou


Coração Civil


(Milton Nascimento/ Fernando Brant)

Quero a utopia, quero tudo e mais
Quero a felicidade nos olhos de um pai
Quero a alegria muita gente feliz
Quero que a justiça reine em meu país
Quero a liberdade, quero o vinho e o pão
Quero ser amizade, quero amor, prazer
Quero nossa cidade sempre ensolarada
Os meninos e o povo no poder, eu quero ver
São José da Costa Rica, coração civil
Me inspire no meu sonho de amor Brasil
Se o poeta é o que sonha o que vai ser real
Bom sonhar coisas boas que o homem faz
E esperar pelos frutos no quintal
Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder ?
Viva a preguiça viva a malícia que só a gente é que sabe ter
Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida
Eu viver bem melhor
Doido pra ver o meu sonho teimoso,um dia se realizar



A propósito das manifestações


"Querelas do Brasil" (De Maurício Tapajós e Aldir Blanc)

O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil 
Tapir, jabuti, liana, alamandra, alialaúde 
Piau, ururau, aqui, ataúde 
Piá, carioca, porecramecrã 
Jobim akarore Jobim-açu 
Oh, oh, oh 

Pererê, câmara, tororó, olererê 
Piriri, ratatá, karatê, olará 

O Brazil não merece o Brasil 
O Brazil ta matando o Brasil 
Jereba, saci, caandrades 
Cunhãs, ariranha, aranha 
Sertões, Guimarães, bachianas, águas 
E Marionaíma, ariraribóia, 
Na aura das mãos do Jobim-açu 
Oh, oh, oh 

Jererê, sarará, cururu, olerê 
Blablablá, bafafá, sururu, olará
Do Brasil, SoS ao Brasil 
Do Brasil, SoS ao Brasil 
Do Brasil, SoS ao Brasil 

Tinhorão, urutu, sucuri 
O Jobim, sabiá, bem-te-vi 
Cabuçu, Cordovil, Caxambi, olerê 
Madureira, Olaria e Bangu, Olará 
Cascadura, Água Santa, Acari, Olerê 
Ipanema e Nova Iguaçu, Olará 
Do Brasil, SoS ao Brasil 
Do Brasil, SoS ao Brasil



Protesto

Aproveitando a onda de protestos que se espalha pelo país, humildemente, reivindico melhor música para a nossa população, assim como uma melhor arte, livros baratos em livrarias menores e em maior quantidade (Buenos Aires tem mais livrarias que qualquer grande cidade brasileira). Mais espaços teatrais, shows populares dos principais artistas (que infelizmente só se apresentam em casas caras e pequenas) em temporadas populares como os antigos projetos "Pixinguinha" e "Seis e Meia". Escolas de música e de arte em geral para as crianças (sobretudo, as carentes de tudo). Desfile de escolas de samba para o povo, futebol de qualidade (sem tantos pernas-de-pau). Quero a História ensinada nas escolas fundamentais e secundárias, juntamente com a Sociologia, a Política, a Antropologia, a Filosofia, assim como todas as ciências humanas que nos permitem pensar e, logo, existir! Quero o Português nos ensinando a ler bem e, por conseguinte, a escrever igualmente. A Matemática com poesia e não com terrorismo. Quero escolas de formação de caráter e não de pseudo-sábios. A liberdade de expressar sua opinião, sem, contudo, ofender a outrem. Quero que os filhos de políticos estudem em escolas públicas (como sugeriu Cristóvão Buarque), não porque quero que aqueles sofram, mas por ter fé que essas escolas, então, seriam dignas (político não é bobo). Quero hospitais que atendam, curem e restabeleçam aqueles que sofrem adoentados, onde corredores sejam apenas corredores. Quero que alimentos sejam baratos e em quantidades suficientes para alimentar os que têm fome. Que na cesta básica haja cultura como um dos itens necessários para a sobrevivência humana (um livro, um disco, um ingresso de dança, um ingresso para teatro etc.). Que a natureza seja respeitada: os animais, os vegetais e porque não, os homens! Quero que o gênero humano se reconheça como igual, apesar das diferenças. Quero o sossego nos ônibus no ir-e-vir do trabalho, não ambulantes gritando "desculpe atrapalhar o silêncio de sua viagem" (como se houvesse algum silêncio). Não que seja contra quem trabalha de algum modo para sobreviver, mas pela simples adequação das ocupações dos espaços. Quero que termos como "lata de sardinha" caiam em desuso. Quero tanto mais coisas de ordem prática que prefiro querer também que o homem seja mais cortes, que a amizade seja mais presente ao ponto de tornar-se moeda enriquecedora e constante. Que os políticos que não sabem da beleza que é a ciência da política, possam, envergonhados, refletir e mudar para melhor ou mesmo se retirar do cenário, se esta for sua opção.

Enfim, que os nossos jovens possam voltar em segurança para as suas casas depois dos atos heroicos de civismo nas ruas.

E que nossos filhos cresçam saudáveis e felizes em um Brasil que mereça o Brasil!

domingo, 16 de junho de 2013

Não Tem Tradução


O cinema falado é o grande culpado da transformação
Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez
Lá no morro, seu eu fizer uma falseta
A Risoleta desiste logo do francês e do Inglês
A gíria que o nosso morro criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Mais tarde o malandro deixou de sambar, dando pinote
Na gafieira dançar o Fox-Trote
Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição
Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro, já passou de português
Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba não são I love you
E esse negócio de alô, alô boy e alô Johnny
Só pode ser conversa de telefone..


Noel Rosa




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domingo, 9 de junho de 2013

Luiz Claudio, seu violão e o som de “Milton”


Em 89, Luiz e eu já éramos amigos e fomos fazer um passeio, uma espécie de retiro espiritual em Itatiaia (um evento que aconteceu algumas vezes), e nessa oportunidade, tive a felicidade de ser apresentado ao disco “Milton” por ele e seu violão. Esse trabalho do Milton Nascimento é o de 1970. Eu já havia comprado o disco em 87, porém não tinha ainda me dado conta de sua beleza em meio a tantos outros que eu já curtia. O disco começa com o clássico “Para Lennon e McCartney”, seguida de outras pérolas do Bituca e de amigos. Sua capa (sempre as capas do Milton...) traz sua figura estilizada de rei, como uma máscara africana. A arte de fundo branco, a imagem negra e as letras do título na cor laranja marcaram definitivamente esse disco no imaginário da MPB. As histórias das criações de algumas, como a da citada acima, são maravilhosas. Quem quiser saber melhor, leia o livro do Marcio Borges.

Pude perceber que o Luiz estava envolvido com aquele som e com aquela atmosfera do disco e que aquilo era recente, porque ele tocava com prazer as harmonias de quase todas as músicas que havia tirado de cabeça. Nesse momento, também, conheci com mais atenção o som que ele produzia no violão. Reparei que o seu forte eram as harmoniasGostava de tocar coisas complicadas e belíssimas do Toninho Horta, por exemplo. Coisas como “Aqui Oh!”, de parceria com Fernando Brant, de rica harmonia e levada de samba, era uma beleza. Dava gosto de ouvir e de cantar junto. Fiquei surpreso com o seu ritmo, com sua levada que passou a ser sua marca principal: o suingue do Luiz.

Aquele encontro nas montanhas do sul Fluminense, com mais de cem pessoas, ao mesmo tempo em que era instigador, também funcionava como um desafio a ser vencido por mim, pela minha timidez. Como havíamos nos encontrado pela música, fizemos um encontro especial dentro do encontrão. Sempre que podíamos, nos retirávamos pra um som. No grupo, entre outros, estava o Zé Renato que formou, durante alguns anos, um trio inseparável com nós dois. Era dele o bar-boteco em São Cristóvão, na Rua São Januário, no qual tocamos durante uns dois anos, todas as sextas-feiras. Luiz, Mirinho e eu (guitarra, percussão e voz, respectivamente) fazíamos um som de MPB que ganhou os ouvidos dos amigos, das pessoas que trabalhavam por ali por perto e que durante esse tempo frequentaram o lugar, que veio a se tornar um point bastante procurado. Essa história do bar também terá um capítulo exclusivo, por tantos detalhes legais.

Voltando ao som, ao Luiz e ao Milton que nessa história são o que mais interessa, lembro-me de ouvir por ele, músicas como “Amigo, amiga”, que me marcou fortemente, “Durango Kid”, composição de Toninho Horta e Fernando Brant e “Alunar”, dos irmãos Lô e Marcio Borges. Saber que aquele autor (o Lô) tinha apenas 16 anos naquela época me impressionara bastante. As duas músicas, cuja temática remete às raízes africanas de Milton, são dois marcos em sua carreira: “Maria três filhos” e “Pai Grande”, a primeira com Fernando Brant e a segunda somente de sua autoria. A forte “Canto Latino” também é desse disco. 

Já conhecia bem o Milton, os seus dois Clubes da Esquina e tantos outros ótimos discos. Mas desse disco pra trás eu ainda não conhecia tanto. Esse disco de 1970 era apenas o seu quarto. Conhecia desse e dos outros primeiros apenas algumas canções de mais destaque. Por exemplo, “Para Lennon e McCartney” era sucesso, mas quando conheci “Amigo, Amiga” foi demais e por aí vai. 

O Luiz estava inspirado naqueles dias e depois, dali pra frente, não nos separamos mais, unidos que ficamos pela música. Passamos a tocar e a cantar sempre em grupo, não só Milton, mas tudo de bom da música brasileira. Cantávamos em festas, nos terraços das casas dos amigos, nos bares etc.

O som que fazíamos no bar do Zé foi o que mais marcou aquela época. Foi nossa primeira experiência com o público. Um happy hour todas as sextas a partir das 8h da noite. 

Ainda hoje, guardo com carinho na memória aquelas audições e ouço o disco sempre de um modo especial. Bons tempos!

Para Lennon e McCartney


Durango kid



Amigo, Amiga



01 - Para Lennon e McCartney (Márcio Borges - Lô Borges - Fernando Brant)
02 - Amigo, amiga (Milton Nascimento - Ronaldo Bastos)
03 - Maria Três Filhos (Milton Nascimento - Fernando Brant)
04 - Clube da Esquina (Márcio Borges - Lô Borges - Milton Nascimento)
05 - Canto latino (Ruy Guerra - Milton Nascimento)
06 - Durango Kid (Toninho Horta - Fernando Brant)
07 - Pai Grande (Milton Nascimento)
08 - Alunar (Márcio Borges - Lô Borges)
09 - A felicidade (Tom Jobim - Vinícius de Moraes)

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