quinta-feira, 25 de julho de 2013

A dor

Imagens cinzas envolventes,
num misto de lágrima e dor,
num processo acelerado de sombras,
me levam a diversas dimensões,
rodopiando à minha frente
como um caleidoscópio de ilusões.
E quando volto a mim, estou exausto,
cansado mesmo da dor.

Ela, a dor, casa-se à minha pele,
que incapaz e frágil se entrega
como uma caça ao caçador audaz.
A dor, sempre que percebe minha desatenção,
corre ao meu encontro despertando-me.
Ela é quem me liga ao divino.

Canso-me dela e nem sempre a preciso.
Mas, acho até mesmo que a dor não é má.

Imagens retorcidas no inconsciente
surgem para me conscientizar.
_Incrível isso!

A dor é minha mal-amada musa.
E eu que me encontrava perdido,
me encontro, depois que ela, passando
por mim, se vai.


Texto escrito originalmente em maio de 1990.

domingo, 7 de julho de 2013

Não quero mais amar a ninguém




Não quero mais amar a ninguém
Não fui feliz, o destino não quis
O meu primeiro amor                                                       [ Estribilho]
Morreu como a flor ainda em botão
Deixando espinhos que dilaceram meu coração

Semente de amor sei que sou desde nascença
Mas sem ter brilho e fulgor, eis a minha sentença
Tentei pela primeira vez, um sonho vibrar
Foi beijo que nasceu e morreu sem se chegar a dar

ESTRIBILHO

As vezes dou gargalhada ao lembrar do passado
Nunca pensei em amor, nunca amei nem fui amado
Se julgas que estou mentindo, jurar sou capaz
Foi simples sonho que passou e nada mais

ESTRIBILHO

O que dou preferência hoje em dia
É viver com bastante alegria
E o sorriso que esperava esconder
Saudade que me faz sofrer


Composição de Zé da Zilda, Carlos Cachaça e  e Cartola (1936)
Interpretada por Assis Furriel (voz) e David Oliveira (violão)

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quarta-feira, 3 de julho de 2013

O sal do samba

A impressão de que o samba não envelhece é uma coisa muito forte em mim. Ouve-se sambas compostos há 80 anos e percebe-se sua contemporaneidade, tanto na letra quanto na melodia. Os sambas de Noel Rosa, Cartola, Wilson Batista e Geraldo Pereira, só para citar quatro compositores clássicos, são exemplos disso. Obviamente, a história do samba é representada por outros compositores que imprimiram essa modernidade ao gênero.

Algumas épocas marcaram tão fortemente a memória social, que suas músicas também remetem a esses tempos. De modo que ficam, como costuma-se dizer, datadas. A canção de característica política dos anos 60 é um exemplo. Esta música, quando ouvida décadas depois, nos dá a impressão de um tempo longínquo, às vezes melancólico, às vezes puramente histórico. Canções assim tornam-se músicas que só são executadas em homenagens a temas específicos ou nas antologias de compositores importantes.

No entanto, sambas compostos numa mesma época, como a dos anos 60, curiosamente, não aparentam mostrar algo ultrapassado pelo tempo. Não sei se pelas letras, em geral de cunho popular, como pela crônica da gente simples ou se por seu ritmo especialíssimo. O fato é que conseguimos transportá-los facilmente para os tempos atuais.

Se analisarmos pela questão dos gêneros musicais, também perceberemos essa diferenciação do samba em relação a outros, como por exemplo, o choro, a marcha, o bolero, o próprio samba-canção, o rock`n`roll dos anos 50 etc.

Pode-se ouvir sambas de Noel e de Cartola dos anos 30 ou outros de Geraldo Pereira e de Wilson Batista dos anos 40 e 50 e sentir sua contemporaneidade nos versos, ritmos e melodias.

O samba moderno, transformado nos morros cariocas e consolidado nas rádios brasileiras, a partir de um projeto de Estado, como um dos símbolos nacionais, é o samba do qual estou me referindo. É importante identificá-lo, pois bem sabemos que este gênero musical guarda consigo uma grande variedade rítmica e que se diferencia por samba-de-roda, samba-canção, samba-de-partido-alto, samba-choro e por aí vai. 

Pois bem, este samba moderno, símbolo nacional, é de origem carioca e sempre esteve envolvido no debate ideológico que busca identificar seu berço.

Ora, este samba, a meu ver, nasceu no morro mesmo. Suas raízes hereditárias, essas sim, são de diferentes origens. Considerando que ritmos como o lundu, o maxixe e o choro remetem a lugares e a culturas diversas, podemos concluir, pois, que o debate se justifique. Mas, considerar que o samba carioca, como conhecemos hoje, nasceu na Bahia ou na Pedra do Sal ou mesmo nas rodas da casa da Tia Ciata é remetê-lo aos seus ancestrais. Eu diria que esses ritmos citados compõem uma pré-história do samba. Essa disputa pela natalidade do samba foi motivo de inspiração para Noel Rosa, que em Feitio de Oração (com Vadico) resolveu fechar questão dizendo que o samba na realidade não viria do morro nem da cidade, mas do coração sensível.

“... O samba na realidade não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce do coração”

O gênero foi inventado a partir da transformação em sua síncope e tornou-se algo novo, adquirindo a propriedade que tem o sal de conservar-se a si próprio. O samba continua atual, porque sobreviveu a todos os tempos, acompanhando os movimentos musicais e seus novos gêneros, como a MPB surgida nos anos 60. 

Como diz o sambista e poeta Nelson Sargento: “samba agoniza, mas não morre”.



"Cem mil réis", de Noel e Vadico (1934), apresentado por Marília Batista 
(a intérprete preferida de Noel, juntamente com Aracy de Almeida) e o conjunto Coisas Nossas.



Cartola canta "Quem me vê sorrindo", de Cartola e Carlos Cachaça (1939).



"Acertei no milhar", de Wilson Batista e Geraldo Pereira (1940), com Jorge Veiga.



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