A impressão de que o samba não envelhece é uma coisa muito forte em mim. Ouve-se sambas compostos há 80 anos e percebe-se sua contemporaneidade, tanto na letra quanto na melodia. Os sambas de Noel Rosa, Cartola, Wilson Batista e Geraldo Pereira, só para citar quatro compositores clássicos, são exemplos disso. Obviamente, a história do samba é representada por outros compositores que imprimiram essa modernidade ao gênero.
Algumas épocas marcaram tão fortemente a memória social, que suas músicas também remetem a esses tempos. De modo que ficam, como costuma-se dizer, datadas. A canção de característica política dos anos 60 é um exemplo. Esta música, quando ouvida décadas depois, nos dá a impressão de um tempo longínquo, às vezes melancólico, às vezes puramente histórico. Canções assim tornam-se músicas que só são executadas em homenagens a temas específicos ou nas antologias de compositores importantes.
No entanto, sambas compostos numa mesma época, como a dos anos 60, curiosamente, não aparentam mostrar algo ultrapassado pelo tempo. Não sei se pelas letras, em geral de cunho popular, como pela crônica da gente simples ou se por seu ritmo especialíssimo. O fato é que conseguimos transportá-los facilmente para os tempos atuais.
Se analisarmos pela questão dos gêneros musicais, também perceberemos essa diferenciação do samba em relação a outros, como por exemplo, o choro, a marcha, o bolero, o próprio samba-canção, o rock`n`roll dos anos 50 etc.
Pode-se ouvir sambas de Noel e de Cartola dos anos 30 ou outros de Geraldo Pereira e de Wilson Batista dos anos 40 e 50 e sentir sua contemporaneidade nos versos, ritmos e melodias.
O samba moderno, transformado nos morros cariocas e consolidado nas rádios brasileiras, a partir de um projeto de Estado, como um dos símbolos nacionais, é o samba do qual estou me referindo. É importante identificá-lo, pois bem sabemos que este gênero musical guarda consigo uma grande variedade rítmica e que se diferencia por samba-de-roda, samba-canção, samba-de-partido-alto, samba-choro e por aí vai.
Pois bem, este samba moderno, símbolo nacional, é de origem carioca e sempre esteve envolvido no debate ideológico que busca identificar seu berço.
Ora, este samba, a meu ver, nasceu no morro mesmo. Suas raízes hereditárias, essas sim, são de diferentes origens. Considerando que ritmos como o lundu, o maxixe e o choro remetem a lugares e a culturas diversas, podemos concluir, pois, que o debate se justifique. Mas, considerar que o samba carioca, como conhecemos hoje, nasceu na Bahia ou na Pedra do Sal ou mesmo nas rodas da casa da Tia Ciata é remetê-lo aos seus ancestrais. Eu diria que esses ritmos citados compõem uma pré-história do samba. Essa disputa pela natalidade do samba foi motivo de inspiração para Noel Rosa, que em Feitio de Oração (com Vadico) resolveu fechar questão dizendo que o samba na realidade não viria do morro nem da cidade, mas do coração sensível.
“... O samba na realidade não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce do coração”
O gênero foi inventado a partir da transformação em sua síncope e tornou-se algo novo, adquirindo a propriedade que tem o sal de conservar-se a si próprio. O samba continua atual, porque sobreviveu a todos os tempos, acompanhando os movimentos musicais e seus novos gêneros, como a MPB surgida nos anos 60.
Como diz o sambista e poeta Nelson Sargento: “samba agoniza, mas não morre”.
"Cem mil réis", de Noel e Vadico (1934), apresentado por Marília Batista
(a intérprete preferida de Noel, juntamente com Aracy de Almeida) e o conjunto Coisas Nossas.
Cartola canta "Quem me vê sorrindo", de Cartola e Carlos Cachaça (1939).
"Acertei no milhar", de Wilson Batista e Geraldo Pereira (1940), com Jorge Veiga.
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Muito bom, esse ~e o caricaturista do Samba, valeu.
ResponderExcluirAssis, eu creio que essa questão que o samba nasceu no morro é uma metafora, na realidade o que ocorreu foi que a turma que nasceu nos morros faziam mais sambas, evidente que até os dias de hoje são grandes as diferenças entre quem mora no asfalto e quem mora morro, creio que essas realidades é que deram uma característica ao samba diferenciada entre o samba do asfalto e do morro, mas ambos vem do coração que é a partida de qualquer poeta.
ResponderExcluirÉ verdade, Januário!
ExcluirO tema é repleto de opiniões a esse respeito. O importante é que o samba tem essa propriedade especial que o faz sempre atual.
Obrigado pela participação!
Muito bom pronunciamento,Assis! Excelente,sua posição!
ResponderExcluirObrigado, Cida.
ExcluirSua visita me alegra demais.
Bj.