sábado, 7 de junho de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - A contribuição dos baianos à cultura carioca

     A comunidade baiana e seus descendentes no Rio de Janeiro tiveram um papel de grande importância na formação e uma cultura popular que reflete até aos dias atuais. Nas várias áreas da cultura, atuaram como semeadores de práticas que misturadas aos costumes mais sofisticados da sociedade carioca criaram um “caldo” que moldou o imaginário carioca. A música de características fortemente rítmicas, como o samba de roda e de partido-alto; suas danças, como o maxixe, o lundu e a capoeira (misto de dança e luta, à época); suas crenças e festas religiosas, como o candomblé e as festas católicas que os negros freqüentavam, num sincretismo religioso; a comida de forte aroma e tempero, vendida nas praças e nas festas, tudo isso serviu como legado dessa gente que “veio da Bahia cantar”. 

     A história do samba carioca, por exemplo, tem sua gênese nas rodas musicais realizadas nas casas das “Tias baianas”, que no início do século XX reuniam os músicos e participantes de várias camadas da sociedade, em seus fundos de quintais, fugindo da perseguição da polícia. Nessa época, violão e pandeiro eram sinônimo de vadiagem e aquele que fosse pego com um instrumento desses, era preso como bandido. Ao mesmo tempo em que era caso de polícia, o samba era admirado por parte da elite da cidade. Uma história bem pitoresca mostra bem essa relação paradoxal entre as autoridades e a comunidade negra. João da Baiana, exímio pandeirista, filho de Tia Perciliana, uma das tantas baianas que compunham o importante grupo vindo da Bahia, passou por uma experiência insólita: “Certa noite, João da Baiana foi convidado para ir a uma festa no palácio de senador Pinheiro Machado, um dos mandachuvas da política da época. Acabou não aparecendo por ter sido preso pela polícia na Festa da Penha. Acusação: levava um pandeiro a tiracolo. Dias depois, o todo-poderoso senador quis saber por que João não aparecera em sua festa. Sabendo da história, Pinheiro Machado mandou fazer um pandeiro na loja Cavaquinho de Ouro, do seu Oscar, com a dedicatória “A minha admiração, João da Baiana – Senador Pinheiro Machado”. Coincidência ou não, o fato é que João nunca mais foi importunado”. (Diniz: 2006, p. 31). 

     Foi numa dessas rodas de samba, na casa de Tia Ciata, a mais destacada de todas as tias, na Cidade Nova, que o primeiro samba “Pelo Telefone” foi criado. Obviamente, outros sambas já haviam sido criados, porém Donga e Mauro de Almeida registraram como de autoria da dupla a composição feita coletivamente. O episódio gerou grande revolta e debates por parte da comunidade. No entanto, o fato da gravação ter sido feita e registrada como gênero “samba” foi uma inovação, ajudando a popularizar a música o ritmo. Isso criou, de algum modo, uma preocupação mais profissional da parte dos sambistas. 

     Os músicos da primeira geração do samba, filhos das tias e tios baianos, deram à história da música popular brasileira uma grande contribuição. São dessa época, as músicas de estilo mais rural e de influência africana, como o samba tocado com prato e faca, os sambas de partido-alto, as chulas, os maxixes, entre outros ritmos que foram trazidos pelos negros da Bahia. Essa geração, além de Donga e João da Baiana, revelou também o grande Pixinguinha, um do maiores de todos os tempos e Sinhô, o “Rei do Samba” e do maxixe nos anos 1920. O final desta década, ainda revelaria uma “revolução” no modo de tocar e uma adaptação desse ritmo que foi ajustado aos desfiles dos blocos carnavalesco. Aí inicia a história das Escolas de Sambas, que os anos da Era Vargas impulsionariam. Mais isso é um outro capítulo da história.


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DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

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