Os primeiros tempos da música popular no Brasil foram marcados por diversos ritmos que antecederam ao samba e alguns que até o acompanharam, como o choro, por exemplo. Segundo Severiano, um dos gêneros musicais mais remotos é a modinha, surgida ainda no século XVII, cuja obra de Domingos Caldas Barbosa, seu grande compositor e divulgador, “pode ser considerada o marco zero da música popular brasileira”. Outro compositor de destaque da modinha foi o compositor, violonista e cavaquinista, Joaquim Manoel da Câmara, já no início dos 1800. Das últimas décadas do século XVIII, o lundu “surgiu da fusão de elementos musicais de origens branca e negra, tornando-se o primeiro gênero afro-brasileiro da canção popular. (...) Situa-se portanto o lundu nas raízes de formação de nossos gêneros afros, processo que culminaria com a criação do samba” (Severiano: 2008; p. 19).
Outros remetem à cultura européia, como a valsa e a quadrilha, trazidas pela Família Real portuguesa no início do século XIX. Era o início das festas e das danças de salão de grande aceitação e sucesso, principalmente pela elite. Outro gênero vindo da Europa, a polca surgiu na Boêmia nos Países Baixos por volta de 1830, tendo chegado ao Rio de Janeiro quatorze anos depois de grande sucesso e executada por toda a cidade, por vezes se misturava ao lundu, dando surgimento a outros ritmos musicais no Rio de Janeiro. Na década de 1870, nascem três outros gêneros: o tango brasileiro, o maxixe e o choro. “Parentes próximos, os três gêneros teriam em comum o ritmo binário e a utilização da síncope afro-brasileira, além da presença da polca em sua gênese” (Idem: 2008; p. 28).
É nesse contexto musical que surge a chamada primeira geração do samba que é composta por filhos e amigos das Tias baianas. Donga, Pixinguinha e João da Baiana, chamados por Martinho da Vila de a santíssima trindade da música popular brasileira, formam esse primeiro grupo que frequentava as casas das baianas, principalmente a de Tia Ciata que promovia rodas de samba e outros ritmos de origens africanas. São dessa época, as músicas de estilo mais rural e de influências mais africana, como o samba tocado com prato e faca (especialidade de João da Baiana), os sambas de partido-alto, as chulas, os maxixes, entre outros ritmos que foram trazidos pelos negros da Bahia. Músicos como Heitor dos Prazeres, Caninha e Sinhô, entre outros, faziam parte dessa geração que marcou a fase inicial até o final dos anos 1920. Sinhô, aliás, é considerado o principal compositor popular dessa década. Sistematizador do samba, sua influência e sua obra propiciaram a grande mudança que estava por vir nos anos finais dessa década.
Caninha, José Luiz de Moraes, nascido no Rio de Janeiro em 06 de julho de 1883 e falecido na mesma cidade em 16 de junho de 1961, é considerado o mais antigo dos primeiros tempos. Recebeu o apelido ainda na infância por vender rolinhos de cana-de-açúcar nos arredores da Central do Brasil. Tornou-se conhecido de um público maior com o seu maxixe Gripe espanhola, de 1918. Principal rival de Sinhô nos festivais da Festa da Penha era também um tradicional frequentador dos ranchos. Participou de vários, entre eles, Dois de Ouro, Reis de Ouro, Rosa Branca, União 28 dos Amores, Recreio das Flores. Entre outras composições deste autor, se destacam os sucessos Até parece coisa feita de 1919, Ninguém escapa ao feitiço e Quem vem atrás fecha a porta, de 1920 e Essa nega qué mi dá, sua primeira composição gravada, de 1921.
Outro importante ícone da história do samba é Heitor dos Prazeres. Músico e pintor, é dele a expressão “Pequena África” (citado em Moura, 1983). Parceiro de grandes nomes da música como Noel Rosa na marcha carnavalesca de grande sucesso Pierrô apaixonado: “Um Pierrô apaixonado/ que vivia só cantando/ por causa de uma Colombina/ acabou chorando/ acabou chorando...” e Herivelto Martins Lá em Mangueira: “Lá em Mangueira/ aprendi a sapatear/ lá em Mangueira/ é que o samba tem seu lugar...” Também rivalizou com Sinhô, acusando-o de ter se apropriado de algumas composições como, por exemplo, Gosto que me enrosco, grande sucesso do “Rei do Samba”.
Pixinguinha, João da baiana e Donga formam um trio-ícone da história inicial do samba. O primeiro, cujo nome de batismo é Alfredo da Rocha Vianna Filho, ligado mais ao gênero choro, foi de grande importância por sua genialidade e erudição musical. Até hoje, considerado um dos maiores compositores da música brasileira. Seu Carinhoso de 1917, letrado por Braguinha (João de Barro) em 1937, é cantado e cantarolado por todas as gerações de brasileiros graças ao mega-sucesso na voz de Orlando Silva, na gravação do mesmo ano da letra. Instrumentista genial, influenciou os regionais que apareceriam em profusão. Um dos nomes mais constante é o do flautista Benedito Lacerda, com o qual formou dupla. Jacob do Bandolim é um exemplo de gênio-discípulo do grande mestre. Dentre os sucessos deixados pelo músico estão Os Oito Batutas (c/Benedito Lacerda), tango, 1919; Patrão, prenda seu gado (c/Donga e João da Baiana), chula raiada, 1931; Conversa de crioulo (c/Donga e João da Baiana), samba de partido-alto, 1931; Rosa (c/Otávio de Sousa), valsa-canção, 1937; Um a zero (c/Benedito Lacerda), choro, 1949; Lamento (c/Vinícius de Morais), choro, 1962. Todas essas músicas e muitas outras marcam a sua trajetória.
João da Baiana (João Machado Guedes), filho de baianos, foi um grande ritmista, tendo desenvolvido este talento desde pequeno junto à comunidade baiana da qual fazia parte. Sua primeira composição é de 1923: Pelo amor da mulata. Outras composições marcantes são Cabide de molambo, Patrão, prenda seu gado, Batuque na cozinha.
Por último, Donga (Ernesto dos Santos) que era filho da baiana Amélia e, como João da baiana, também foi criado em meio às festas e tradições da citada comunidade. Mais que uma história de repertório que, aliás, não foi muito extensa, a importância de Donga está associada à modernização do samba, cuja profissionalização tomou impulso a partir do registro e da gravação de Pelo telefone. Fez parte junto com Pixinguinha dos Oito Batutas, tendo excursionado para Argentina e Europa, depois da consagração carioca. Outras composições de Donga: Bambabambu, Passarinho bateu asas, Macumba de Oxossi (Diniz: 2006).
José Barbosa da Silva é, de todos da chamada primeira geração, o que mais sucesso fez na época. Seu nome era reverenciado nas rodas e festas das várias classes sociais. Tanto nos salões elegantes da sociedade carioca, quanto nos locais da boemia sua presença era certeza de animação. Sinhô, como era conhecido, embora tenha morrido cedo, em 1930, era dono de uma obra vasta e de grande sucesso. Vaidoso, era o rei do maxixe e do samba, tanto que o apelido de “Rei do Samba” foi inventado por ele mesmo numa auto-homenagem. É dele Jura (seu maior clássico, gravado por Mário Reis que foi seu aluno de violão), Gosto que me enrosco (reivindicada por Heitor dos Prazeres, como já citado), Amar a uma só mulher, Que vale a nota sem o carinho da mulher.
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