domingo, 10 de julho de 2011

Vovó Amélia: uma história de amizade, escravidão e liberdade


E lá vinha ela! Devagar, mas firme. Com jeito altivo de quem, do alto de sua idade, carregava a própria experiência.

No quintal de nossa casa, bem ao lado do portão de entrada, sentava-se na cadeira que minha mãe dispunha para as visitas. Ali, naquele pequeno espaço, muitos se revezavam em longos papos. Um desses amigos era ela, a Vovó Amélia. Naquela época, já contava mais de cem anos. Os mais velhos diziam que havia sido filha de escravos nos tempos da escravidão. Aquela história de escravidão era o máximo e para nós crianças aquilo nos enchia de imaginação e fantasia.

Lembro que minha mãe não admitia que ninguém fumasse dentro de casa. Mas, Vovó Amélia chegava, sentava-se naquela cadeira e logo acendia seu cachimbo que gostava de pitar. Minha mãe não dizia nada. Ela podia, pois além de ser uma visita, era especial e aquele era um velho costume seu. Ela era muito querida pelos meus pais e pelos meus avós, que moravam na casa ao lado e dividiam o mesmo quintal conosco. Vovó Amélia era uma espécie de conselheira da família e também contava muitas histórias.

A última vez que a vi, foi em sua cama, adoentada. Já não podia mais se levantar. Lembro-me de pedir sua benção e beijar sua mão. Naquele tempo ainda era assim.

Era uma figura marcante, quase mítica, a centenária Amélia!

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Meu professor de História da África Edson Borges disse para nossa turma uma coisa que nunca mais vou esquecer. Ele dizia que não houve escravos e nunca haverá. O que houve foram indivíduos iguais a todos os outros que foram escravizados à força. Escravo é uma categoria que acaba por resumir uma série de outros conceitos, como objeto, por exemplo, que o escravizador algoz utiliza como quer, decidindo, inclusive, sobre sua vida e sua morte. Embora já tivesse essa visão, foi muito importante ouvir dele, que é negro, militante das causas dos negros e que tem o poder do uso da palavra, como um formador de opinião.

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12 comentários:

  1. "Lembro-me de pedir sua benção e beijar sua mão. Naquele tempo ainda era assim."
    Que bela história!
    Ainda hoje tento, nas vezes que lembro, ensinar a minha pequena Lidia Maria a pedir a benção antes de dormir. O respeito aos idosos em nosso meio está cada vez mais esquecido, e a admiração ainda mais. Não respeitamos tanta experiência vivida. É uma forma de desrespeitarmos a nós mesmos no futuro...
    Grande Vovó Amélia, que Deus a abençoe.
    abs
    Nelson

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  2. Assis,
    Acabei de ler seu texto e fui buscar para também registrar, em "uma das pastas empoeiradas", umas linhas que havia escrito em 1973.Sua vovó me fez lembrar a minha.
    Seu comentário tão apropriado,tecido a partir da visão de um professor seu,corrobora a necessidade de avaliação de um tempo,o que vivemos,quando ainda escravizamos o negro,o branco,o mulato,o gordo,o "feio",o pobre,e uma lista infinita de "homens objetos",que estão sob os pés do escravizador,algoz de tantas mentes e arquiteto de destinos desumanos.

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  3. Queridos Cida e Nelson,

    saber rever e entender o passado é poder lidar melhor com o presnte, construindo um futuro melhor!

    Essas histórias estão sempre nos ensinando algo importante!

    Obrigado pelas considerações!

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  4. Assis,

    Este texto acabou me contagiando e fiquei até com vontade de conhecer aquela "que era mulher de verdade"[diria Mario Lago].
    Além disso também fiquei lembrando da figura de minha avó materna, que apesar de não ter sido escrava, era´neta de índia e tinha em comum a contação de histórias inesquecíveis ..Isso é impagável!
    Grande bj! Adorei!!!

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  5. Linda história!
    Lembro perfeitamente dela e das suas visitas a nossa humilde casa, onde ela era tão bem vinda.tinha um olhar doce,quando contava seus causos fazia pausas.acho que era para dar mais suspense." GRANDE VOVÓ AMÉLIA " bjs Rosana.

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  6. Rosana,

    essa história é tão sua quanto minha. Suas palavras só confirmam aquilo que minha memória (ainda que bem fraca, devido ao longo tempo em que se passou a história) revela. Grande amiga que marcou nossa gente!

    Que bom que gostou! Bjs do maninho.

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  7. Eliana,

    essas histórias dos mais velhos em nossas vidas são de uma importância muito grande em nossa formação. Agora que estamos adultos o suficiente para compreender essa importância, devemos cada vez mais reverenciá-los. Sua avó devia contar boas histórias, cetamente!

    beijos!

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  8. POIS É MEU AMIGO. CONSERVO ATÉ HJ O HÁBITO DE PEDIR A BENÇÃO A MINHA MÃE. ESSE É UM HÁBITO Q MANTENHO E PASSO PRA MINHA FILHA DE PEDIR A BENÇÃO A MINHA MÃE (SUA AVÓ).

    BJS

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  9. OBRIGADA AMIGO ASSIS PELO TEXTO COMENTÁRIO DO FESTIVAL DE MUSICA DO QUAL PARTICIPEI DA ÉPOCA DA ESCOLA. FIQUEI LISONGEADA E AGRADECIDA PELA LEMBRANÇA E MUITO FELIZ POR VC TER PARTICIPADO TBÉM E POR NOSSOS "AMIGOS DA ESCOLA" ESTAREM LÁ E TEREM CURTIDO COM A GENTE ESSE GDE MARCO EM NOSSA ADOLESCENCIA. MOMENTOS ESSES Q FICARAM PARA SEMPRE EM NOSSA HISTORIA. O TROFÉU Q GANHEI COM O 2ºLUGAR DA MUSICA "CHORAR PRA QUE ", SE PERDEU EM UMA DAS MINHAS MUDANÇAS RSRS. MAIS, O QUE MAIS IMPORTA, É QUE ESSES MOMENTOS ESTÃO GUARDADOS AQUI DENTRO DO PEITO. ESSE É MEU GDE TROFÉU ...
    GDE ABÇO AMIGO E O MEU MUITO OBRIGADA

    TERESINHA

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  10. Gostei sim Assis!
    Muito linda sua história.
    Bjs.

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  11. Linda história, principalmente pelo seu jeito estiloso em escrever, parabéns! Vovó Amélia e vc nos inspiram a viver!

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    1. Katia, minha querida amiga,

      mil perdões por estar respondendo somente agora. Voltei somente agora a reler o texto e li seu comentário sempre bem-vindo. Bjs e obrigado.

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