Briga no beco
Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás com mão e palavras
que nunca suspeitei conhecesse.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida, uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Qunado não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo graças.
Desde então faço milagres.
Adélia Prado, do livro Bagagem, 1976
.
Assis,
ResponderExcluirMuito legal pela forma jocosa de retratar uma cena triste.
Bjs!
Eliana,
ResponderExcluiro que mais me chamou a atenção neste poema de Adélia Prado, e por isso até hoje é um dos meus preferidos, foi a reação da personagem principal, narrado em primeira pessoa e, principalmente, o reconhecimento das outras mulheres após a briga.
Analisemos: Ela fala de um contexto machista, numa região do interior (provavelmente mineiro, pois os seus poemas falam muito do seu próprio universo), onde as mulheres não costumam ter a mesma força e a mesma voz que os homens. Por isso a reação dela à traíção do marido foi de tal modo inesperado, inédito, talvez. As mulheres então renderam graças à ela, como a uma santa. A solução "evangélica" que a autora dá para o poema coroa a importãncia do seu gesto, ainda que destemperado. "Desde então curto Adélia!"
bjs.
Assis,
ResponderExcluirRealmente o meu comentário pode ter ficado impreciso.
Quando li o poema fiquei imaginando a cena e lembrei-me de tantas discussões teóricas sobre o tema que não tive muitas palavras para comentar já que renderia muito "pano pra manga".
Continuo achando que ela conseguiu tirar "leite de pedra" ao retratar a cena e ainda conseguir adornar o poema com o jeito jocoso.
Quanto ao seu adendo, acho que foi apropriado e retratou estar atento às questões femininas.
bjs!