Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
Módulo de Verão
As cigarras começaram de novo, brutas e brutas.
Nem um pouco delicadas as cigarras são.
Esguicham atarraxadas nos troncos
o vidro moído de seus peitos, todo ele
(chamado canto) cinzento-seco, garra
de pêlo, arame, um áspero metal.
As cigarras têm cabeça de noiva,
as asas como véu, translúcidas.
As cigarras têm o que fazer,
têm olhos perdoáveis.
- Quem não quis junto deles uma agulha??
- Filhinho meu, vem comer,
ó meu amor, vem dormir.
Que noite tão clara e quente,
ó vida breve e boa!
A cigarra atrela as patas
é no meu coração.
O que ela fica gritando eu não entendo,
sei que é pura esperança.
(Do livro Bagagem, 1976)
Assis,
ResponderExcluirNovamente lembro de minha adolescência quando leio Adélia Prado. A primeira poesia conheci no teatro do colégio. Lendo atualmente sinto-a mais profudamente ainda.
Correlacionar amor com palavra de luxo realmente foi um grande achado neste texto.
Adorei!
Quanto à cigarra, nunca havia pensado desse jeito . Nossa! ..."sei que é pura esperança" me fez pensar em tanta coisa...Estou sem palavras.
Parabéns pelas escolhas!
Eu também andei pensando sobre essa "esperança" que, segundo Adélia, a cigarra transmite com seu canto. Acho que na fábula da Cigarra e da formiga, ela tem uma função que vai mais além da pecha de preguiçosa, resumida na moral da história: "quem não trabalha não come".
ResponderExcluirPensando bem, não é tão fácil ser artista. Não um bom artista. Pensar que a formiga trabalhou o tempo todo sob o som de uma trilha sonora, o que é um privilégio, não acha? Ela representa, de certo modo, o lado lúdico e lírico da vida humana, enquanto a formiga trabalha mantendo firmemente os pés (ou as patas) no chão. Tanto uma quanto a outra função são indispensáveis.
A música de Milton Nascimento já chamava a atenção para uma certa esperança que a cigarra traz em seu canto como prenúncio de dias mais luminosos:
"...Porque ainda é inverno em nosso coração. Essa canção é para cantar, como a cigarra acende o verão e ilumina o ar"
(Cigarra - Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos
Continuo sem palavras. Você foi tão completo na avaliação, que no momento, nem tenho o que acrescentar.
ResponderExcluirSuas palavras: Bela música para os ouvidos do coração!
bjs!
A poesia do "Ensinamento" me tocou de um jeito muito especial, da forma que a poesia se propõe. As frases possibilitam um sentido amplo de imaginação e interpretação. Adoro poesia pela capacidade que ela possui de ser infinita, de não terminar no ponto final.
ResponderExcluirA palavra tinha sumido... rs Queria falar q gosto da poesia pelo seu eterno inacabado.
ResponderExcluirbjo
Você tem razão. A poesia, de fato, não acaba. Ela continua nas sementes que ficam em nossas mentes, na reflexões que fazemos sobre o sentido da poesia, que nem sempre se explicam por si só. Bjs e Obrigado pelas palavras!
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