Donga, caricatura |
Esse debate se observa na conversa entre Donga e Ismael Silva, a qual Sergio Cabral registrou em entrevista. Ismael contesta o primeiro sobre o que seria o samba Pelo telefone (de Donga e Mauro de Almeida). Segundo o bamba do Estácio, o famoso samba seria um maxixe. Donga, por sua vez, argumenta que Se você jurar (Ismael Silva e Nilton Bastos) também não é samba, é marcha (Apud Silva: 2001; pp. 69-70).
O samba de características próximas aos outros ritmos como o lundu ou o maxixe encontra suas raízes na ruralidade das fazendas dos séculos anteriores e estas, por sua vez, traduzem os modos da África distante. Já, a razão para a alteração da batida que seria feita pelos sambistas do Estácio, tem na urbanidade a sua explicação. Era preciso cantar e batucar em movimento de marcha. O samba estaria a serviço de um desfile e não mais somente nas rodas dos fundos de quintais. Esses conflitos são, de certa forma, naturais nos processos de modernização. Toda inovação gera desconforto e resistência por parte da comunidade que a recebe: a influência do estrangeirismo; as aspirações feministas de liberdade etc. são exemplos de inovações.
Carlos Sandroni, estudioso da música, fala em seu livro Feitiço Decente dessa transformação, considerando a síncope (que é a ligação da última nota de um compasso com a primeira do seguinte). A alteração rítmica é mostrada por ele nos seus detalhes fundamentais. O autor apresenta trechos das pautas musicais de Jura de Sinhô e de Se você jurar de Ismael Silva, explicando o que mudou. Segundo Sandroni, os sambas dos sambistas do Estácio, como este de Ismael, caracterizavam-se por uma pulsação rítmica mais complexa, agregando mais uma célula rítmica a marcação (Sandroni: 2008; p.32). A história da síncope foi explicada por Ismael Silva a Sergio Cabral de um modo mais simples e mais prático: “O samba era assim: tan tantan tan tantan. Não dava (...) Aí, a gente começou a fazer um samba assim: bum bum paticumbum prugurundum...” (Apud Severiano: 2008; p. 120).
Essa relação das duas gerações é encontrada em texto de Santuza Cambraia Naves para a Revista de história da Biblioteca Nacional. Intitulado Almofadinhas e malandros, o texto diz que “no começo do século XX, o samba nascia com o jeito bem comportado de compositores respeitáveis que dariam lugar a uma geração ligada à boemia, ao improviso e à malandragem”. A autora destaca que os músicos das comunidades baianas tendiam a um comportamento pequeno-burguês. Alguns eram funcionários públicos; tinham a simpatia de políticos; Tia Ciata tinha sua casa freqüentada por muita gente importante.
Ismael Silva, caricatura |
Assista ao depoimento de Ismael Silva:
Obs.: Este artigo faz parte do meu trabalho de conclusão do curso de história do Instituto de Humanidades da UCAM.
Referências bibliográficas
NAVES, Santuza Cambraia. “Almofadinhas e malandros”, In: Revista de história da Biblioteca Nacional. Ano 1, n° 8. Rio de Janeiro: Revista de História, Fev/Mar 2006.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-1933. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008.
SILVA, Marília Trindade Barboza da (Coord.). 500 anos, da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: MIS Editorial, 2001.
Legal perceber que a história da música está intimamente ligada à história da humanidade. Cada povo de uma maneira peculiar desenvolve sua musicalidade e um paradgma completa o outro.
ResponderExcluirAcho esse encontro cultural que a música propõe fantástico!
Muito bom! gostei bastante. abraço.
Caramba, não tinha lido este post, acabei escrevendo um que começa igualzinho... Essa questão social é importantíssima, e hoje se repete. Enquanto a classe média/alta formava grupos e mais grupos, revitalizava a Lapa e tal (nada disso ruim, óbvio), lá em Ramos, como cantou a Mangueira este ano, é que se processava a verdadeira revitalização do samba, que assumia um novo formato, com o Zeca, Almr Guineto, Fundo de Quintal. O bom é que o samba sempre acha um caminho, com a sabedoria da água que escorre onde é mais fácil. Grande abraço e viva o Donga, o Ismael e o Sandroni, que destrinchou o samba dos dois.
ResponderExcluirÉ isso aí Túlio,
Excluircomo disse Nelson Sargento, "Samba agoniza, mas não morre"!
Sds.