domingo, 31 de outubro de 2010

O bonde da história




Ainda sob os efeitos das pesquisas que realizei para o trabalho de conclusão do curso de história, quero falar do bonde, meio de transporte largamente utilizado desde a segunda metade do século XIX até os anos 1960. No Rio de Janeiro, o bonde foi extinto no ano de 1968, ficando apenas o de Santa Tereza como prova desse marco histórico, em funcionamento até hoje. Pelo seu apelo natural, o tema era muito abordado, quer na literatura quer na música popular. Afinal, era nesse meio de transporte que a população se apertava no seu ir e vir diário e desse convívio saíam muitas histórias interessantes.

O bonde foi uma conquista moderna na área do transporte, sobretudo o elétrico, surgido no final do dezenove. Uma crônica[1] sem título de Machado de Assis conta a história da chegada do bonde elétrico. Ele se impressiona com a altivez do condutor do bonde elétrico que passa por ele que estava em um movido a tração animal: “O que me impressionou, antes da eletricidade, foi o gesto do cocheiro. Os olhos do homem passavam por cima da gente que ia no meu bond, com um grande ar de superioridade. (...) Sentia-se nele a convicção de que inventara, não só o bond elétrico, mas a própria eletricidade”. A crônica é de 16 de outubro de 1892 e apresenta o diálogo dos animais que puxam o bonde antigo. Na conversa, reclamam da vida e falam do medo do desemprego e da desesperança do fim de carreira. Machado humaniza esses personagens, revelando preocupações típicas do homem diante das inovações que sempre trazem as inseguranças quanto ao futuro. Um dos burros argumentava que a tração elétrica, desde que estendida a todos os bondes, seria a senha para a sua liberdade. O outro contra argumentou que o colega não conhecia bem a história da espécie, obviamente, entendendo que a tradição do jugo imputado pelo homem trataria de arranjar outras ocupações para os pobres. 

Na música da primeira metade do século XX, foi uma grande fonte de inspiração para que episódios cotidianos ganhassem destaque nas rimas do samba. A famosa e competente parceria de Wilson Batista e Ataulfo Alves produziria um dos clássicos mais famosos dos anos 1940: “O bonde de São Januário”, que introduziu o tema no contexto político da época. A apologia ao trabalho estava em alta com o Estado Novo, portanto, “a boemia não dá camisa a ninguém, quem trabalha é que tem razão”. “O bonde São Januário/ Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar”. Em outro samba, "E o 56 não veio...", o mesmo Wilson e Haroldo Lobo retratam o amor e o desencontro: “Eu ontem esperei às sete em ponto/ Ainda dei uma hora de desconto/ Os ponteiros do relógio pareciam me dizer/ Vai embora meu amigo/ Ela não vai aparecer/ Será que ela não veio por que se zangou/ Ou o bonde Alegria descarrilou”.



Imagens do Bonde ao som de "Palpite infeliz" de Noel Rosa
na voz de João Gilberto



[1] Disponível em ASSIS, Machado de. Crônica (107) / A Semana / 1892. In: COUTINHO, Afrânio (org.). Obra Completa. Vol III. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.



  

6 comentários:

  1. Foi uma aula de história... Parabéns pelo empenho.

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  2. Obrigado Eliana.

    O que aconteceu com o texto sobre futebol na música do Chico Buarque que nos surpreende. Quando der vá ao texto e leia os comentários. Poder ser útil ao mesmo tempo em que exercitamos com prazer o nosso "hobby" é muito bom.

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  3. Assis,

    Eu li o texto e o comentário. Que legal! Parabéns por conseguir conciliar arte e ensino.

    bjs!

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  4. Adorei o seu texto, como disse a Eliane foi uma aula de história.
    Você já ouviu (claro) essa música cantada pela Teresa Cristina?
    Wilson Batista nos deixou esse primor. Você pode me falar mais desse livro do Machado? O titulo para eu procurar?
    Abraços
    Sonia

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  5. Desculpe-me Assis, a indicação do Machado está no final do seu texto. Perdão!
    Sonia

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  6. Oi Sonia,

    obrigado pelas palavras de carinho.

    Você perguntou sobre a gravação da Teresa. Infelizmente, não ouvi nenhuma das duas com ela.
    Conheço as gravações originais e outras com a Cristina Buarque. Mas, com certeza, deve ser muito boa a gravação da Teresa.

    Bjs.

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