quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Aquiles



O amor me caça

O amor não cansa

e quase me alcança.


O amor ameaça

morder meu calcanhar.




Cida Barreiros

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Adeus, Hobsbawm

Durante os anos do curso de história, lembro-me da minha felicidade e de outros colegas por vivermos no tempo de Eric Hobsbawm. Lemos tanto o autor que tínhamos o conhecimento claro da sua importância e que nos dava orgulho saber que ele ainda vivia e continuava a produzir, apesar da idade avançada.

Morre hoje aos 95 anos de idade o mestre do século XX. De família judia, Hobsbawm nasceu na cidade de Alexandria, no Egito, em 9 de junho de 1917. O pai de Hobsbawm, o britânico Leopold Percy, e sua mãe, a austríaca Nelly Grün, mudaram-se para Viena, na Áustria quando ele tinha apenas dois anos e depois para Berlim, na Alemanha. Com 14 anos, após a morte dos pais, mudou-se com os tios para Londres, quando já havia aderido ao Partido Comunista. Essas idas e vindas muito provavelmente explicam o seu interesse pelo estudo dos conceitos de nação, de nacionalidade e de nacionalismo. Afinal, de onde era Hobsbawm? Ele costumava dizer que era do mundo.

Hobsbawn é considerado um dos maiores historiadores do século 20 e escreveu "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios", refletindo o século XIX e a "A Era dos Extremos" que abrange o século XX. Considerado por muitos como um generalista, Eric buscava dar conta do todo. O problema é que é preciso correr para dar tempo de falar de tudo e aí corre-se o risco de perder algo ou mesmo tornar o texto um tanto confuso. Mas eu adoro essa coragem e esse talento para dar um panorama geral do momento. É interessante perceber que num determinado tempo fatos históricos acontecem em várias partes do mundo a partir de semelhntes demandas.

Ainda assim, Hobsbawm ficou marcado pelo interesse no estudo do desenvolvimento das tradições e seu trabalho marcou-se pelo estudo da construção destas dentro do modelo do Estado-nação. Para ele, muitas vezes, as tradições são inventadas para legitimar nações. Esse é um assunto constante em Hobsbawm, tendo ele dedicado a obra "Nações e nacionalismos desde 1780" só para esse tema. Para o autor, o Estado é que forma a nação e o nacinalismo e não o oposto, como se imagina. A "consciência nacional", como a entendemos, para ele é um fenômeno artificial e relativamente recente.

Eric Hobsbawm foi membro do grupo de historiadores marxistas britânicos, juntamente com Christopher Hill, Rodney Hilton e Edward Palmer Thompson criadores da "História Social", importante corrente que nos anos 60 buscava entender a história da organização das classes populares, suas lutas e suas ideologias.

O intelectual figura entre os maiores expoentes da sua disciplina. Podemos elencar entre esses, os franceses da Escola dos Annales Marc Bloc, Lucien Febvre, Fernand Braudel e Jacques Le Goff (os dois primeiros, fundadores da Revista dos Annales em 1929, os outros dois da segunda e terceira gerações da Escola, respectivamente); os também franceses Roger Chartier e Francois Furet e o inglês Peter Burke, todos ligados também a essa importante escola francesa. Outros importantes estudiosos da área são Perry Anderson e seu irmão Benedict Anderson cuja principal obra "Comunidades imaginadas" fala do assunto recorrente em Hobsbawn e é um clássico que não pode deixar de ser lido por quem se interessa pelo assunto "nacionalismo".

Além das obras já citadas, Hobsbawm ainda escreveu sobre a "História Social do Jazz". Para quem gosta de história e música como eu, um prato cheio. 

Valeu, Mestre!

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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Dois anos de Blog do Chico


Enfim, dois anos desde a primeira postagem de Eu e o meu nome, na qual inaugurei este espaço, explicando o porque do meu nome. _Afinal, sou Chico, sou Francisco, sou Assis? Devo dizer que quando criança, até eu me confundia com essa questão.

Tenho tido uma grande alegria por trocar ideias com amigos e com pessoas que chegaram, gostaram e a partir daí se tornaram também amigas, ainda que quase sempre virtuais. Desses tantos amigos pude aproveitar tantas outras ideias, desafios, inspirações etc. Pessoas que ao entrarem no blog deixaram suas impressões e as quais pude descobrir seus talentos também. Essa troca faz muito bem e legitima qualquer tentativa de expressão.

Essa liberdade de escrever sem a pretensão de qualquer erudição besta, mas de expressar o melhor de nós é o que importa. A poesia, a música, a literatura, a história, a crônica etc. estão aqui nas quase 500 postagens, visualizadas nas mais de 21.500 visitas, divididas pelo público de quase todos os continentes. Entre as dez publicações mais visitadas estão O bonde da história, Fahrenheit 9/11: uma resenha do filme de Michael MooreA intertextualidade na obra de Caetano Veloso,  Triângulo amoroso - uma alegoria antiga de caranaval. Só para citar os meus favoritos, sem contar outros que gosto bastante, mas não estão na lista dos dez mais.

É verdade que de vez em quando bate uma preguiça de escrever e acabo por não postar nada. No início tentava cobrir a moleza com alguma postagem aleatória, mas depois vi que essa prática não deve ser obrigatória e sim prazerosa. Um artigo ou uma postagem qualquer precisa dizer a o que veio. Precisa ter sentido, fazer alguma diferença pra quem lê e, obviamente, pra quem publica.

Estamos aí, agradecendo a todos que tem feito a diferença na rede; a todos que são a razão do meu interesse em manter esse espaço. Eu costumo dizer aos amigos que o artista, de um modo geral, só o é pelo público que o aplaude ou mesmo que o critica. Pois ninguém vive só pra si. Vivemos para trocar, para aplaudir e ser aplaudido. Esse é o feedback necessário. Sem isso não faria sentido qualquer forma de expressão.

Obrigado!



Vanessa da Mata - "Meu Aniversário"

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sábado, 8 de setembro de 2012

O menino que carregava água na peneira

(Manoel de Barros)


"Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos."

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Murar o Medo – Mia Couto


“O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem. Os anjos actuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinaram a recear os desconhecidos. Na realidade a maior parte daviolência contra as crianças sempre foi praticada, não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambiente que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território. O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender…

...Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global: "Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras." E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe."
Mia Couto



Conferências do Estoril 2011 - Mia Couto

Importante evento no qual foram debatidos temas
como a arquitetura da governanção global,
à crise financeira e às suas consequências, passando pela segurança humana.
Para saber mais, acessewww.conferenciasdoestoril.com

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Solidão



Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

terça-feira, 31 de julho de 2012

Saudades de Antonio Brasileiro




Na capa, ele acende um charuto, seu derradeiro prazer de fumante. No encarte, Ipanema resplandece, com o Morro Dois Irmãos ao fundo, tendo ao lado uma epígrafe de Antoine de Saint-Exupéry ("L'essentiel est invisible. On ne voit qu'avec le cœur"), complementada, no outro extremo do encarte, por uma citação de Guimarães Rosa: "O resto era o calado das pedras, das plantas bravas que crescem tão demorosas, e do céu e do chão, em seus lugares". No miolo, uma série de imagens que evocam nossa exuberante natureza (elementos de flora, fauna e indígenas) e fotos de objetos pessoais e emblemáticos do maestro: seu chapéu Panamá, óculos, piano, lente de aumento, dicionário - a iconografia justa (projeto gráfico de Ana Jobim e Marcos Martins, fotos de Ana Jobim) para um CD que pretendia ser um perfil do maestro, uma repassada em sua obra, e tornou-se, inconscientemente, uma despedida.

Em Antonio Brasileiro, Tom retoma temas do passado ("Insensatez", "Só danço samba", "Surfboard", "Chora coração", na voz de Paula Morelenbaum), reverencia alguns de seus heróis (Radamés, Bandeira, Pelé), cerca-se de amigos e parceiros (Caymmi, Ron Carter, Sting) e estabelece um recorde de familiares à sua volta, acrescentando aos da Banda Nova o neto Daniel e a filha Maria Luiza. Daniel, então com 21 anos, produziu o disco com seu pai, Paulo, e pilotou os teclados em duas faixas. Maria Luiza, então com sete anos, cantou a duas vozes com o pai um samba inspirado no seu "cabelo amarelo" e nos seus "olhos cor de chuchu", singelamente intitulado "Samba de Maria Luiza".

Ao todo, 12 músicas do Antonio Brasileiro, dois originais de Caymmi ("Maracangalha" e a recentíssima "Maricotinha"), mais a versão ("Blue Train") que Tom fez para "Trem azul", de Lô Borges e Ronaldo Bastos. Além do "Samba de Maria Luiza", eram inéditos em disco, na interpretação de Tom, o cinematográfico "Pato preto", a telenovelística "Querida" (que nunca fora gravada por inteiro), o ecológico "Forever green" (que deixara de ser gravada no disco do concerto da Rio Eco-92 por falta de condições técnicas), o carnavalesco "Piano na Mangueira", o onomatopaico "Trem de Ferro" (sobre o poema de Bandeira, antes só interpretado por Olivia Hime) e os choros "Meu amigo Radamés", originalmente composta em 1985, e "Radamés y Pelé". O trecho final dos violinos de "Meu amigo Radamés" foi a última coisa que Tom pôs num pentagrama. As cordas já estavam prontas no estúdio, quando ele chegou com a parte que escrevera em casa, na noite anterior.

Com o reforço de oito violinos, duas violas, dois cellos, duas trompas, mais o Flügelhorn de Marcio Montarroyos, o clarinete de Edu Morelenbaum, a guitarra de Pedro Sá, a percussão de Duduka da Fonseca e os trombones de Raul de Souza e Vitor S. Silva Santos, acabou resultando num dos discos mais instrumentais que Tom gravou no Brasil. E num sucesso póstumo, timbrado por um Disco de Ouro e um Grammy.

"Nesse tão variado e múltiplo Antonio Brasileiro", escreveu Caetano Veloso no press release do CD, "Jobim mostra acima de tudo sua generosidade. Os cuidados tímbricos e o bom gosto das linhas, assim como o imaginoso das composições, asseguram que o sol da nossa música está na potência total de sua luminosidade. Ele não nos dá apenas suas canções e seus sons. Ele prova ser excelente reprodutor biológico, trazendo ao mundo filhos e netos que por sua vez produzem boa música, inclusive junto com ele. É amor e talento. O amor de que o coração de Tom Jobim é o maior repositório: o amor pela música, pelos homens humanos e pela travessia do Brasil".


Texto do site do compositor: