terça-feira, 31 de julho de 2012

Saudades de Antonio Brasileiro




Na capa, ele acende um charuto, seu derradeiro prazer de fumante. No encarte, Ipanema resplandece, com o Morro Dois Irmãos ao fundo, tendo ao lado uma epígrafe de Antoine de Saint-Exupéry ("L'essentiel est invisible. On ne voit qu'avec le cœur"), complementada, no outro extremo do encarte, por uma citação de Guimarães Rosa: "O resto era o calado das pedras, das plantas bravas que crescem tão demorosas, e do céu e do chão, em seus lugares". No miolo, uma série de imagens que evocam nossa exuberante natureza (elementos de flora, fauna e indígenas) e fotos de objetos pessoais e emblemáticos do maestro: seu chapéu Panamá, óculos, piano, lente de aumento, dicionário - a iconografia justa (projeto gráfico de Ana Jobim e Marcos Martins, fotos de Ana Jobim) para um CD que pretendia ser um perfil do maestro, uma repassada em sua obra, e tornou-se, inconscientemente, uma despedida.

Em Antonio Brasileiro, Tom retoma temas do passado ("Insensatez", "Só danço samba", "Surfboard", "Chora coração", na voz de Paula Morelenbaum), reverencia alguns de seus heróis (Radamés, Bandeira, Pelé), cerca-se de amigos e parceiros (Caymmi, Ron Carter, Sting) e estabelece um recorde de familiares à sua volta, acrescentando aos da Banda Nova o neto Daniel e a filha Maria Luiza. Daniel, então com 21 anos, produziu o disco com seu pai, Paulo, e pilotou os teclados em duas faixas. Maria Luiza, então com sete anos, cantou a duas vozes com o pai um samba inspirado no seu "cabelo amarelo" e nos seus "olhos cor de chuchu", singelamente intitulado "Samba de Maria Luiza".

Ao todo, 12 músicas do Antonio Brasileiro, dois originais de Caymmi ("Maracangalha" e a recentíssima "Maricotinha"), mais a versão ("Blue Train") que Tom fez para "Trem azul", de Lô Borges e Ronaldo Bastos. Além do "Samba de Maria Luiza", eram inéditos em disco, na interpretação de Tom, o cinematográfico "Pato preto", a telenovelística "Querida" (que nunca fora gravada por inteiro), o ecológico "Forever green" (que deixara de ser gravada no disco do concerto da Rio Eco-92 por falta de condições técnicas), o carnavalesco "Piano na Mangueira", o onomatopaico "Trem de Ferro" (sobre o poema de Bandeira, antes só interpretado por Olivia Hime) e os choros "Meu amigo Radamés", originalmente composta em 1985, e "Radamés y Pelé". O trecho final dos violinos de "Meu amigo Radamés" foi a última coisa que Tom pôs num pentagrama. As cordas já estavam prontas no estúdio, quando ele chegou com a parte que escrevera em casa, na noite anterior.

Com o reforço de oito violinos, duas violas, dois cellos, duas trompas, mais o Flügelhorn de Marcio Montarroyos, o clarinete de Edu Morelenbaum, a guitarra de Pedro Sá, a percussão de Duduka da Fonseca e os trombones de Raul de Souza e Vitor S. Silva Santos, acabou resultando num dos discos mais instrumentais que Tom gravou no Brasil. E num sucesso póstumo, timbrado por um Disco de Ouro e um Grammy.

"Nesse tão variado e múltiplo Antonio Brasileiro", escreveu Caetano Veloso no press release do CD, "Jobim mostra acima de tudo sua generosidade. Os cuidados tímbricos e o bom gosto das linhas, assim como o imaginoso das composições, asseguram que o sol da nossa música está na potência total de sua luminosidade. Ele não nos dá apenas suas canções e seus sons. Ele prova ser excelente reprodutor biológico, trazendo ao mundo filhos e netos que por sua vez produzem boa música, inclusive junto com ele. É amor e talento. O amor de que o coração de Tom Jobim é o maior repositório: o amor pela música, pelos homens humanos e pela travessia do Brasil".


Texto do site do compositor:


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