domingo, 9 de junho de 2013

Luiz Claudio, seu violão e o som de “Milton”


Em 89, Luiz e eu já éramos amigos e fomos fazer um passeio, uma espécie de retiro espiritual em Itatiaia (um evento que aconteceu algumas vezes), e nessa oportunidade, tive a felicidade de ser apresentado ao disco “Milton” por ele e seu violão. Esse trabalho do Milton Nascimento é o de 1970. Eu já havia comprado o disco em 87, porém não tinha ainda me dado conta de sua beleza em meio a tantos outros que eu já curtia. O disco começa com o clássico “Para Lennon e McCartney”, seguida de outras pérolas do Bituca e de amigos. Sua capa (sempre as capas do Milton...) traz sua figura estilizada de rei, como uma máscara africana. A arte de fundo branco, a imagem negra e as letras do título na cor laranja marcaram definitivamente esse disco no imaginário da MPB. As histórias das criações de algumas, como a da citada acima, são maravilhosas. Quem quiser saber melhor, leia o livro do Marcio Borges.

Pude perceber que o Luiz estava envolvido com aquele som e com aquela atmosfera do disco e que aquilo era recente, porque ele tocava com prazer as harmonias de quase todas as músicas que havia tirado de cabeça. Nesse momento, também, conheci com mais atenção o som que ele produzia no violão. Reparei que o seu forte eram as harmoniasGostava de tocar coisas complicadas e belíssimas do Toninho Horta, por exemplo. Coisas como “Aqui Oh!”, de parceria com Fernando Brant, de rica harmonia e levada de samba, era uma beleza. Dava gosto de ouvir e de cantar junto. Fiquei surpreso com o seu ritmo, com sua levada que passou a ser sua marca principal: o suingue do Luiz.

Aquele encontro nas montanhas do sul Fluminense, com mais de cem pessoas, ao mesmo tempo em que era instigador, também funcionava como um desafio a ser vencido por mim, pela minha timidez. Como havíamos nos encontrado pela música, fizemos um encontro especial dentro do encontrão. Sempre que podíamos, nos retirávamos pra um som. No grupo, entre outros, estava o Zé Renato que formou, durante alguns anos, um trio inseparável com nós dois. Era dele o bar-boteco em São Cristóvão, na Rua São Januário, no qual tocamos durante uns dois anos, todas as sextas-feiras. Luiz, Mirinho e eu (guitarra, percussão e voz, respectivamente) fazíamos um som de MPB que ganhou os ouvidos dos amigos, das pessoas que trabalhavam por ali por perto e que durante esse tempo frequentaram o lugar, que veio a se tornar um point bastante procurado. Essa história do bar também terá um capítulo exclusivo, por tantos detalhes legais.

Voltando ao som, ao Luiz e ao Milton que nessa história são o que mais interessa, lembro-me de ouvir por ele, músicas como “Amigo, amiga”, que me marcou fortemente, “Durango Kid”, composição de Toninho Horta e Fernando Brant e “Alunar”, dos irmãos Lô e Marcio Borges. Saber que aquele autor (o Lô) tinha apenas 16 anos naquela época me impressionara bastante. As duas músicas, cuja temática remete às raízes africanas de Milton, são dois marcos em sua carreira: “Maria três filhos” e “Pai Grande”, a primeira com Fernando Brant e a segunda somente de sua autoria. A forte “Canto Latino” também é desse disco. 

Já conhecia bem o Milton, os seus dois Clubes da Esquina e tantos outros ótimos discos. Mas desse disco pra trás eu ainda não conhecia tanto. Esse disco de 1970 era apenas o seu quarto. Conhecia desse e dos outros primeiros apenas algumas canções de mais destaque. Por exemplo, “Para Lennon e McCartney” era sucesso, mas quando conheci “Amigo, Amiga” foi demais e por aí vai. 

O Luiz estava inspirado naqueles dias e depois, dali pra frente, não nos separamos mais, unidos que ficamos pela música. Passamos a tocar e a cantar sempre em grupo, não só Milton, mas tudo de bom da música brasileira. Cantávamos em festas, nos terraços das casas dos amigos, nos bares etc.

O som que fazíamos no bar do Zé foi o que mais marcou aquela época. Foi nossa primeira experiência com o público. Um happy hour todas as sextas a partir das 8h da noite. 

Ainda hoje, guardo com carinho na memória aquelas audições e ouço o disco sempre de um modo especial. Bons tempos!

Para Lennon e McCartney


Durango kid



Amigo, Amiga



01 - Para Lennon e McCartney (Márcio Borges - Lô Borges - Fernando Brant)
02 - Amigo, amiga (Milton Nascimento - Ronaldo Bastos)
03 - Maria Três Filhos (Milton Nascimento - Fernando Brant)
04 - Clube da Esquina (Márcio Borges - Lô Borges - Milton Nascimento)
05 - Canto latino (Ruy Guerra - Milton Nascimento)
06 - Durango Kid (Toninho Horta - Fernando Brant)
07 - Pai Grande (Milton Nascimento)
08 - Alunar (Márcio Borges - Lô Borges)
09 - A felicidade (Tom Jobim - Vinícius de Moraes)

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9 comentários:

  1. Que coisa boa poder viajar nas suas recordações Assis, as quais nos trazem também boas lembranças pessoais. Embora neste tempo estivéssemos distantes, é gostoso reconhecer que a música tem este dom, de nos levar a outras dimensões, como num passe de mágica... Não me surpreendo por sempre encontrares pessoas ligadas às Artes, pois desde garoto andam de mãos dadas... Tive o imenso prazer em conhecer Luizinho em um inesquecível Sarau regado a excelentes apresentações musicais e poesias de grande valor, bom vinho e petiscos maravilhosos, organizado por você e tua Esposa Rita, a quem também muito admiro. Luizinho é sem dúvida um verdadeiro amante das cordas de um violão ou guitarra, as quais, costumo dizer, que não só a sonoridade de seus acordes e solos me emocionam, mas, apaixonado, ele as toca com tanta suavidade que mais parece um carinho feito, em sua musa inspiradora... É Chico: quando a verdadeira Amizade surge, torna-se uma benção que completa os coloridos e formas dos mosaicos de um caleidoscópio mágico e iluminado!
    Mais uma vez, Parabéns, e muito obrigada por nos proporcionar esses momentos, como agora, que alimentam nossa alma com o que de mais etério possuímos em nosso Ser, Amigo!!!
    Deise Cordeiro Candreva

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    1. Valeu, Deise!

      Obrigado pela visita e por suas palavras carinhosas.

      Beijo.

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  2. “Meu pensamento viaja
    Em busca de encontrar
    Amigo, amiga”
    Assis
    Um poeta um dia disse que somos feitos de lembranças. Saboroso é ter amigos que nos permitam viajar no pensamento para encontrar emoções, lugares, pessoas que representam um profundo sentimento de carinho. Compartilhei contigo de Itatiaia, do bar onde vocês tocavam, dos amigos comuns, David, Paulo de Tarso, Abel, Luiz, Soninha, Elinha, Solange, Beth, Arthur, Alcyone, Maristela, Jorginho...e tantos outros que não me vêem agora à lembrança. Meu coração não é tão deserto...
    Obrigado amigo

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    1. Olá Nelson Neruda,

      você me emocionou agora com esse seu feedback bacana. Essa lista de nomes que bem poderia ser adicionada de muitos outros inesquecíveis amigos. Lembro bem de uma festa no plyground do seu prédio, no Meier. Formamos uma super banda. Cantamos e dançamos muito. Incluisive seu amigo que viria a formar com o grupo "Os Cariocas".

      Muito legal e emocionante o seu depoimento.

      Valeu, amigo!

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  3. Assis, quantos momentos fantásticos já tivemos juntos fazendo música não é? Eu, você, David, Luiz, Nelson, Daniel, Marielza, Joelsn e tantos outros que, como bem disse o Nelson, é difícil lembrar. Esse é o lado bom de ficar velho! Significa que já vivemos muitas coisas boas e somos cada vez mais feitos dessas lembranças. Nossa, que emoção! Agora temos a minha irmã Amanda fazendo parte do nosso grupo também! Se Deus permitir, quero fazer música com vocês até o último suspiro dessa vida musical, da qual não tenho reclamações, só agradecimentos, acordes, solos, poesias e silêncios.

    Abraços muito fraternais prá todos vocês meus queridos irmãos de música!

    Márcio HAW

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    1. Marcio,

      nunca pensei que fosse ser tão gratificante escrever no blog as experiências vividas, entre outros textos diversos.
      Esses retornos de vocês só me dão provas dessa importância. É uma necessidade nossa escrevre sobre isso, até porque quando estamos juntos, vivendo o momento, a linguagem é outra. Passa muito mais pela sensibilidade da música, da poesia, do abraço, do sorriso, do olhar... Escrever nessa hora nem é possível, pois não é o que se pede.
      Porém, quando passa o tempo, temos obrigação de retomar a história para nos deleitarmos com o que agora nos sobrou: a memória afetiva.

      Valeu, Marcio! Vamos fazer história até quando nos for possível.

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  4. é verdade meus amigos,
    lembrei também dos encontros em Iguaba, na casa da família Pellegrino.
    muita praia, música, amigos...
    acho que por conta dessas experiências, a música sempre esteve ligada a amizades.
    musica e amigos, duas coisas que combinam muito bem!
    David Oliveira

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    1. David,

      o que disse acima ao Marcio, bem serve a você, ao Nelson, ao Luiz e a todos os nossos amigos de juventude. O que se passa conosco nessa fase, nos marca de um modo definitivo. Por isso a memória nos cobra sempre essas lembranças. É que recordar essas vivências nos faz muito bem!

      Abraço

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  5. David,

    uma outra experiência musical que tivemos juntos (se não me engano, o Marcio tava nessa conosco, não?) foi a insólita apresentação, promovida por nosso amigo Frederico, que teve o Nelson, inclusive, como testemunha. Aliás, o Nelson é uma daquelas figuras fiéis, que nos acompanhou sempre que pôde, talvez por um desejo de sempre assistir a história acontecendo.

    Podemos concluir que, graças ao Fred, que era o proprietário, fomos, pelo menos em um dia, músicos de churrascaria.

    Impagável, não!

    Abraço.

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