quinta-feira, 30 de maio de 2013

Biromes y Servilletas


A primeira vez que ouvi "Biromes y Servilletas" e soube de seu autor Leo Masliah, foi através da gravação de Milton Nascimento que, em seu disco "Nascimento" de 1997(já citado aqui em outro post), fazia, segundo a minha própria análise na época, um retorno às raízes mineiras. Na verdade, aquela minha audição em 97 é que era um retorno meu ao Milton. Cheguei a esta conclusão, pois eu é quem estava um tempo sem ouvi-lo. 

"Leo Masliah é um músico uruguaio, humorista e escritor. Nascido em 1954, em Montevidéu, começou a escrever e compor em 1978, geralmente com um toque de humor. Depois de um sucesso considerável no movimento underground uruguaio, que desembarcou com sucesso em Buenos Aires, Argentina, em 1982. Foi lentamente ganhado popularidade, teve shows por quase toda América latina, inclusive, Brasil.

Sua música resiste a classificação. É o resultado de uma mistura original de experiências pessoal, música popular, composição clássica - incluindo materiais Electroacústica - e jazz. Muitas vezes suas peças são feitas com base na repetição minimalista de elementos curtos. Suas letras incluem trocadilhos freqüentes. Overally, sua produção adota o tom irônico e crítico, sempre inteligente e espirituoso, às vezes niilista. Ele gravou mais de 40 álbuns, a maior parte deles lançado no Uruguai e na Argentina. Em 2003, sua ópera "Maldoror" foi realizado no Teatro Colón.

Também escreveu mais de 40 livros com romances, contos e peças de teatro. 10 de suas peças foram levadas ao teatro. A Fundação Konex da Argentina concedeu-lhe "Mérito para o humor na literatura", em 1994."

Milton Nascimento, na sua busca às raízes (segundo eu), identificou naquela letra em espanhol e naquele som, a sua imagem mineira de "origem carioca" e gravou não somente a versão original da letra, como a traduziu para o português, de modo que a fez parecer uma composição sua legítima. Na verdade, o que fica evidente nessa experiência do Bituca é como uma canção pode ter um caráter universal, pois o que ela mais revela não é necessariamente uma cultura ou visão de mundo, mas sim um sentimento poético que atinge a todos que se identificam. Nem é necessário dizer (vocês conferirão) que Milton impõe uma "parceria" à canção, na medida em que a embeleza como só um grande intérprete é capaz de fazer. Uma prova de sua majestade. Além de compositor referência de nossa música é também o intérprete por excelência.

Aliás, a atmosfera que o som que "Nascimento" me remete é digna de uma outra análise neste blog. Vou fazê-la, com certeza! Fica a promessa e os vídeos abaixo de ambos citados, autor e ídolo.


 Biromes y Servilletas

En Montevideo hay poetas, poetas, poetas
Que sin bombos ni trompetas, trompetas, trompetas
Van saliendo de recónditos altillos, altillos, altillos
De paredes de silencios, de redonda con puntillo.

Salem de agujeros mal tapados, tapados, tapados
Y proyectos no alcanzados, cansados, cansados
Que regresan en fantasmas de colores, colores, colores
A pintarte las ojeras y pedirte que no llores.

Tienen ilusiones compartidas, partidas, partidas
Pesadillas adheridas, heridas, heridas
Cañerias de palabras confundidas, fundidas, fundidas
A su triste passo lento por las calles y avenidas.

No pretenden glorias ni laureles, laureles, laureles
Sólo pasan a papeles, papeles, papeles
Experiencias totalmente personales, zonales, zonales
Elementos muy parciales que juntados no son tales.

Hablan de la aurora hasta cansarse, cansarse, cansarse
Sin tener miedo a plagiarse, plagiarse, plagiarse
Nada de eso importa ya mentiras escriban, escriban, escriban
Su mania su locura su neurosis obsesiva.

Andan por las calles los poetas, poetas, poetas
Como si fueran cometas, cometas, cometas
En un denso cielo de metal fundido, fundido, fundido
Impenetrable, desastroso, lamentable y aburrido.

En Montevideo hay biromes, biromes, biromes
Desangradas en renglones, renglones, renglones
De palabras retorciéndose confusas, confusas, confusas
En delgadas servilletas, como alcóholicas reclusas.

Andan por las calles escribiendo y viendo y viendo
Lo que ven lo van diciendo y siendo y siendo
Ellos poetas a la vez que se pasean, pasean, pasean
Van contando lo que vem y lo que no, lo fantesean.

Miran para el cielo los poetas, poetas, poetas
Como si fueran saetas, saetas, saetas
Arrojadas al espacio que um rodeo, rodeo, rodeo

Hiciera regresar para clavarlas en Montevideo.



Leo Masliah



Milton Nascimento


A versão em português



Guardanapos de papel (adaptação para o português)

Na minha cidade tem poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas
Trombetas e sempre aparecem quando
Menos aguardados, guardados, guardados
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados
Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pares
Seus pares e convivem com fantasmas
Multicores de cores, de cores
Que te pintam as olheiras
E te pedem que não chores
Suas ilusões são repartidas, partidas
Partidas entre mortos e feridas, feridas
Feridas mas resistem com palavras
Confundidas, fundidas, fundidas
Ao seu triste passo lento
Pelas ruas e avenidas
Não desejam glorias nem medalhas, medalhas
Medalhas, se contentam
Com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus
Versos dispersos, dispersos
Obcecados pela busca de tesouros submersos
Fazem quatrocentos mil projetos
Projetos, projetos, que jamais são
Alcançados, cansados, cansados nada disso
Importa enquanto eles escrevem, escrevem
Escrevem o que sabem que não sabem
E o que dizem que não devem
Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
Como se fossem cometas, cometas, cometas
Num estranho céu de estrelas idiotas
E outras e outras
Cujo brilho sem barulho
Veste suas caudas tortas
Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
De palavras retrocedendo-se confusas, confusas
Confusas, em delgados guardanapos
Feito moscas inconclusas
Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar
Do que eles juram que não viram
Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
Lançadas ao espaço e ao mundo inteiro
Inteiro, inteiro, fossem vendo pra
Depois voltar pro Rio de Janeiro



.

12 comentários:

  1. Assis,

    Não tinha ouvido a versão original. Lindo demais! Toda vez que escuto esta canção fico muuuito emocionada.
    Esta parte da canção me deixa em algum lugar especial onde imagino sentir um outro tipo de ar:

    ..." De palavras retrocedendo-se confusas, confusas
    Confusas, em delgados guardanapos
    Feito moscas inconclusas
    Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
    Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
    E sendo eles poetas de verdade
    Enquanto espiam e piram e piram
    Não se cansam de falar
    Do que eles juram que não viram"

    Parabéns pelo belo texto!

    Beijos!

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    1. Eliana,

      esses artistas são algo de doido mesmo. Conseguem criar absurdamente aos borbotões trabalhos de imensa sensibilidade e qualidade. É um poço sem fundo. Não á toa, Milton Nascimento é referência na MPB. Embora a beleza natural da canção, reparou na diferença das duas interpretações? Tudo bem, as intenções podem ser distintas. Porém, o encantamento da execução das versões do Milton nos mostram quase que uma outra música.

      É isso! A poesia e a canção nos levam ao inimaginável!

      Bjs.

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  2. Camarada Assis,

    De novo, seu texto me leva a um caminho novo, a uma nova alameda florida numa estrada que eu (pretenciosamente) pensava que já conhecia, rsrsrs...

    Obrigado pela viagem. Grande abraço.

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    1. Caro Pablo,

      sua observação cabe também a mim. Estou sempre prestes a entrar por uma "alameda florida" e a conhecer coisas novas e bacanas do meu interesse. A música é bem um exemplo disso.

      Obrigado pela visita e pelas palavras.

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  3. Realmente, Assis, nessa música, o Milton não apenas traduziu a música, mas praticamente recriou a música. Essa canção é realmente espetacular. Não é a toa que o cara é gênio.
    David Oliveira

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  4. Realmente, Assis, nessa música, o Milton não apenas traduziu a música, mas praticamente recriou a música. Essa canção é realmente espetacular. Não é a toa que o cara é gênio.
    David Oliveira

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    1. É isso mesmo!

      Quando não fazem suas obras-primas, recriam, interpretando as dos outros.

      Valeu pela presença, David.

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  5. Assis, Milton é autor, co-autor e intérprete de muitos clássicos da nossa amada MPB (sim, muito amada apesar de meu coração Blueseiro e Rockeiro). Mas Guardanapos de Papel é uma das coisas mais belas que já ouví pela voz do Milton. Sua interpretação é ao mesmo tempo visceral e suave, cheia de climas, luzes e sombras. Definitivamente temos que tocar essa música no nosso projeto de MPB! Abraços e Paz!

    Márcio HAW

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  6. Marcio,

    Uma vez a Elis Regina disse que se Deus cantasse seria com a voz de Milton. Exagero? Mas, exprime o quanto sua figura imprime a música brasileira uma importância divinal.

    Podemos e devemos cantá-la sim. Um desejo desses vindo de você é uma ordem.

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  7. Sou fãzaço do Milton Nascimento e por tantas outras músicas e interpretações também sou grato a ele por ter me apresentado "Biromes e Servilletas". Acabei caindo no seu blog na busca pela interpretação original. Por mais que admire o Milton não consigo curtir tanto a interpretação por causa da constrangedora pronúncia dele em espanhol.

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  8. Bem, meu caro Alex,

    primeiramente, agradeço a sua participação por aqui. Novos amigos são sempre bem-vindos.

    Não tenho tanto conhecimento da língua espanhola e de sua pronúncia, de modo que esse detalhe não chega a ser um incômodo para mim. No mais, o som da voz do Milton chega sempre primeiro e supera qualquer problema que por ventura possa haver. Porém, entendo sua crítica e se pra você esse detalhe da pronúncia faz muita diferença, concordo que pra você seja difícil curtir.

    Grande abraço.

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  9. Que pena que quando surgiu "Guardanapos de Papel" Elis Regina já tinha nos deixado. Conseguem imaginar um dueto Milton / Elis com essa obra prima?

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