segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Algumas coisas que sei sobre Los Hermanos


Há muito tempo tento escrever algo sobre Los Hermanos, uma banda diferente e que me surpreendeu profundamente. No instante em que ouvi o cd “Bloco do eu sozinho”, percebi que algo novo e especial estava acontecendo, algo incomum, que não se vê a toda hora. Não consegui escrever. Precisava de tempo para entender e digerir aquela novidade boa. Tenho por costume dar um tempo às coisas e somente escrever depois de um maior distanciamento. Isso ajuda contra possíveis ruídos do calor da hora. Mas, o fato é que passados mais de dez anos, a dificuldade continua a mesma. A banda já até se desfez e as impressões sobre ela continuam de difícil explicação. Vou tentar fazer um apanhado bem pessoal. É o jeito! 

A primeira vez que vi a banda foi na televisão, num programa “teen” da TVE, tocavam o hit “Anna Júlia”. Obviamente, aquilo não me disse nada. Mais uma dessas bandas que tocam música para puro entretenimento dos jovens adolescentes. Não dei importância e passou. Claro que eu já tinha ouvido a música, que então tocava exaustivamente nas rádios, cujo refrão choroso e chato teimava em colar em nossa memória: “Oh, Anna Júlia, aaaaa!/ Oh, Anna Júlia, aaaaa!”. 

Anna Júlia



O que mais me chamou a atenção na audição do segundo cd da banda (Bloco...), além da grande surpresa por saber que aquela era a mesma banda da tal menina Anna Júlia, foi o estilo diferente que remetia a uma memória de coisas que eu admirava na música de antigamente. Lembrava também de coisas que eu compunha ainda bem menino com uma banda de rock (Os Bops), que formei com um amigo real e outros dois invisíveis. Sim, porque éramos um quarteto formado apenas por dois meninos. Los Hermanos faziam com que me lembrasse dessa época ingênua e rica, quando escrevíamos coisas como “A estrela no céu/ Meu bem lembrarei de você” ou “A estrela do sul começou a brilhar/ Os caminhos desertos para nos acompanhar”. Algumas ideias de arranjos muito próximas das que imaginávamos e executávamos de boca, repetindo sempre pra não esquecermos, pude ouvir nesse disco, como a introdução no teclado de “A Flor”, a primeira música deles que curti. 

A Flor


Letras simples (a princípio), diferentes do que se via até então em bandas de rock, como “Veja bem meu bem”, cuja melodia parece "flertar" com a música romântica dos 70, considerada “brega” pela crítica especializada. “Enquanto isso, navegando eu vou sem paz/ Sem ter um porto, quase morto, sem um cais/ E eu nunca vou te esquecer amor/ Mas a solidão deixa o coração neste leva e traz”. 

Salvo alguns poucos que já nascem clássicos, é comum o amadurecimento paulatino dos artistas no decorrer da obra. Porém, com Los Hermanos acontece um verdadeiro salto de qualidade do primeiro para o segundo trabalho. Parece que os caras amadurecem mesmo de vez a partir de então. Ainda assim, é possível encontrar uma pérola como “Quem sabe” já neste primeiro trabalho, que de fato, é muito fraco. Mas o “Bloco” é muito bom. É surpreendentemente bom. Incrível essa virada, esse desabrochar artístico e lírico da banda. Fica até difícil citar músicas especiais já que praticamente todo disco é genial. Por força, destaco “A Flor”, “Retrato pra Iaiá”, "Casa Pré-Fabricada”, Cadê Teu Suin?”, “Cheir Antoine”, “Adeus Você”, “Todo Carnaval Tem seu fim” e a antológica “Sentimental”. Esta última, composta por Rodrigo Amarante, é de uma inspiração fora do comum. Linda, linda. 

Sentimental ao vivo



O trabalho seguinte, "Ventura", confirma a maturidade e o talento do grupo que continua a escrever letras e a compor melodias inovadoras. Sempre tratando de assuntos inusitados, nele se vê temas como o amor na terceira idade, como em "Último Romance" e "Conversa de botas batidas". No primeiro, Amarante descreve a surpresa de um novo romance quando não se esperava mais nada além de um jornal, uma fila de pão e uma tv: "... e ir aonde o vento for/ Que pra nós dois/ Sair de casa já é/ Se aventurar". Na segunda, Camelo supõe um diálogo entre um casal maduro que se encontra prestes a um desastre fatal. (contam que a história da música fala de um casal que morreu no desabamento de um prédio - pequeno hotel - do centro da cidade do Rio. Reza a lenda que o casal se encontrava há muito tempo ás encondidas): "Deixa o moço bater/ Que eu cansei da nossa fuga/ Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas/ Não ter o seu lugar". O mais interessante é que a história contada por Marcelo Camelo, baseada num fato real, teve por parte dele uma interpretação própria. Desde então, várias versões para o fato surgiram e virou lenda urbana, tornando a música ainda mais especial. Ainda em "O velho e o moço" o tema é abordado de forma bem clara: "Eu gosto é do gasto". Percebe-se nessas canções um elogio à velhice, uma importância que não se vê, em geral, entre os jovens. 


Último Romance e Conversa de botas batidas



Talvez um ponto chave para se entender o sucesso do grupo e até mesmo uma certa devoção por parte dos fãs, o que leva a relação à beira do fanatismo (quase religioso), seja o mote recorrente em quase toda obra que é um certo elogio do vencido, do sofredor. Los Hermanos traz, em sua obra, uma série de histórias de gente que sofre, em geral de amor, e que encontra em seus versos um certo alento, uma defesa para as derrotas. Gente que não é personagem principal das histórias que vemos sempre. A música "O Vencedor" resume bem tudo isso: "Eu que já não quero mais ser um vencedor/ Levo a vida devagar pra não faltar amor". Isso, a meu ver, bateu fundo em muita gente. Muitos se identificaram e acabaram por seguir a banda que os entendia. Então é possível ver no público dos hermanos uma mostra de muitas minorias. Em geral, pessoas românticas (muito românticas), gente que se identificava e que se achou nos shows dos caras. 

O Vencedor




É impressionante o que as imagens do vídeo mostram da reação do público. Isso é rotina em todos os shows. O público sabe de cor todas (absolutamente todas) as músicas e não consegue ficar sem cantá-las junto com a banda. O show não vale como algo a ser apenas apreciado, mas para ser vivido conjuntamente. Não basta ver, tem que cantar também, com direito a olhinhos fechados e tudo. É fantástica a coisa. Não somente as meninas se entregam de corpo e alma, como também os rapazes, sem nenhum pudor, participam do que parece ser (e é) uma grande catarse. Obviamente, isso é uma interpretação pessoal, que a meu ver poderia render uma boa tese em antropologia. Não reflete, necessariamente, a verdade absoluta.

Algumas músicas remetem aos carnavais antigos, a ritmos como a marcha rancho de "A flor" e de "A outra", ou no som típico das fanfarras, como em "Todo carnaval tem seu fim". Aliás, os metais, clássicos das fanfarras, estão presentes nos arranjos desde o início e são fundamentais no resultado e na cara que a banda adquire. "Retrato pra Iaiá" apresenta um clima meio caribenho bem tocado nos anos pré-bossanovistas, quando a música latina invadiu as rádios do país. Ela é ótima e apresenta uma forma de composição em duas partes bem distintas, o que dá uma inventividade que agrada e refresca a música. Depois, em "4", seu quarto disco, vimos repetido esse ritmo em "Paquetá" com a mesma eficiência. Arranjos bem bolados que dialogam com as letras, também funcionam e muito bem, como quando em "Conversa de botas batidas", em sua versão ao vivo, o trompete anuncia, desesperadamente, o fim que chega: "Veja você, quando é que tudo foi desabar/ A gente corre pra se esconder/ E se amar, se amar até o fim/ Sem saber que o fim já vai chegar".

A Outra 



O último trabalho, "4", traz “Morena” (de Marcelo Camelo) e “O Vento” (de Rodrigo Amarante) puxando um setlist que contém “Condicional”, “Horizonte Distante”, “Primeiro Andar”, “Pois é” e “Sapato Novo” entre outras. Esta última canção é de tamanha introspecção que tanto a melodia como o canto de Camelo me fez lembrar (não sei bem por que) do “Rei” cantando “Madrasta”, composição de Renato Teixeira e Beto Ruschell dos anos 60. A gravação de Roberto Carlos é intimista e calma como a de Marcelo. 

Morena e O Vento





Los Hermanos são como as bandas que você ama ou odeia. Ficar indiferente é que não é fácil. Outro dia, um amigo que gosta muito de música e que não costuma ter preconceito me disse que não curte a banda. Que ela é estranha e por isso não consegue gostar. Não consegue ver aonde está a graça. Apesar de considerar que ali existe um contexto, um conteúdo bem definido, aquilo não faz o seu gênero. Beleza, isso é mesmo uma questão de gosto. Nesse papo, ele menciona que o que ele gosta menos é do Rodrigo Amarante. Acha que o seu jeito meio desleixado, cantando um tanto (ou muito) largado, com a voz rouca, quase ininteligível... _como um bêbado, eu disse. _É, isso mesmo – confirmou. 

_Pois é. Disse eu. _Exatamente por isso que eu gosto dele. Por detalhes como este que eu e muitos milhares de fãs gostamos dos irmãos. Vai entender! 

Quem sabe


Los Hermanos são:
Marcelo Camelo - Voz, guitarra e baixo
Rodrigo Amarante - Voz, guitarra e baixo
Rodrigo Barba - Bateria
Bruno Medina - Teclados



Confira a discografia da banda


6 comentários:

  1. Olá,
    Achei essa postagem procurando sobre Los Hermanos.
    Muito bacana!
    Abraços,
    Zuza Zapata
    www.zuzazapata.com.br

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    1. Valeu, Zuza.

      Que bom que gostou.

      Fique à vontade para voltar mais vezes.

      Abraços do Chico!

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  2. Meu Amigo... parabéns !!! É um texto digno de publicação na Grande Mídia!!! Esteticamente muito atraente, abrangente, e extremamente embasado. Realmente sempre tive preconceito com a Banda Los Hermanos, e sua opinião, que eu respeito, me obriga a ser mais cauteloso no olhar crítico que direciono ao grupo, que diga-se de passagem, é completamente sem fundamento, já que pouco conheço, além do hit “Anna Julia”.
    Aliás, lembrando nossa recente conversa no Centro do Rio, também tive minha surpresa com o trabalho do Marcelo Camelo. Ao escutar a MPB FM 90.3, me deparei com a canção SAMBA A DOIS, que me causou forte impressão. Realmente não posso dizer que achei a música bonita, mas devo reconhecer na música uma identidade, algo diferente, com uma assinatura. Achei muito interessante aquela melodia “intencionalmente monótona” e “meio estranha”.. Quando ouvi do locutor o nome do autor, tive uma surpresa (cheguei a pensar que era do Tom Zé). Depois dessa experiência vou olhar com mais cuidado o trabalho dos Los hermanos.
    Grande Abraço
    David Oliveira

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    1. Oi David,

      obrigado pelo seu feedback. Sua opinião também é muito importante pra mim e se você gostou do texto eu fico muito feliz. Tenho os cds dos caras menos o primeiro e dois dvds e afirmo que eles têm algo de especial, diferente das bandas contemporâneas. Tem algo original ali que foge a uma receita e ao mesmo tempo muitas influências que alguns diriam até "suspeitas". Depois a gente pode até falar mais sobre.

      Volte sempre!

      Abraço

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  3. Olá Assis!
    Tenho uma relação com Los Hermanos muito curiosa e passa um pouco com a sua impressão. Vejamos: em 2000 minha filha estava para nascer. Tinha nome: Ana Julia. Ana por causa da mãe - minha filha mais velha é Ana Luisa -, e Julia para compor um nome bonito. Sucesso de Los Hermanos e o refrão chiclete. Resultado: minha filha chama-se tão somente Julia. Depois os caras foram se sobressaindo, com uma identidade musical e visual. Composições muito belas e um vocal refinado, mais do Amarante que o Camelo. Os anos foram se passando e meu filho mais velho, o Guilherme, começou a tocar, cantar, compor...era muito fã dos caras e fazia um cover muito bom. Ele se casou e mudou para Volta Redonda. Quando a saudade batia, eu ouvia Los Hermanos, que era uma forma de ficar perto de meu filho. Enfim, além de muito bons, tenho com os rapazes uma relação quase que de pai e filho.
    Parabéns pelo texto, que me possibilitou esta viagem.
    Abraços
    Rogério

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    1. Rogerio,

      que bacana esse seu comentário. Que bom que gostou do texto. Eu penso que mexer com coisas que são cultuadas possa gerar opiniões diversas tanto a favor quanto contra. Mas, acredito que o texto tenha conseguido deixar claro para todos as minhas impressões de fã, como também um certo olhar crítico de músico.

      História de banda e família sempre funciona bem. Parabéns pela sua!

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