sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Murar o Medo – Mia Couto


“O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem. Os anjos actuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinaram a recear os desconhecidos. Na realidade a maior parte daviolência contra as crianças sempre foi praticada, não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambiente que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território. O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender…

...Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global: "Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras." E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe."
Mia Couto



Conferências do Estoril 2011 - Mia Couto

Importante evento no qual foram debatidos temas
como a arquitetura da governanção global,
à crise financeira e às suas consequências, passando pela segurança humana.
Para saber mais, acessewww.conferenciasdoestoril.com

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3 comentários:

  1. MUITO, MUITO, MUITO BOM! Eu fiquei muito feliz de ter conhecido seu blog mas esse post foi especial. Tive que ler um livro de Mia Couto para o vestibular e estava com os dois pés atrás, hahahha, mas ele me conquistou, de verdade. E desde então procuro saber um pouco mais sobre esse autor, e então você me vem com esse belíssimo texto dele. Bom, só fez confirmar como preciso buscar mais informações e como devo SIM voltar a visitar o Blog do Chico :D
    Graaande abraço e parabéns pelo grande trabalho que você tem feito! (:
    Leila Magalhães.

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  2. Oi Leila!

    Que bom ter esse feedback a respeito do blog. Fico feliz de poder contribuir com os que aqui nos visitam.

    A primeira vez que tive conhecimento do Mia Couto foi em 2004, na faculdade. Nunca tinha ouvido falar dele e, simplesmente, num belo dia, minha professora de Português convidou a turma para uma palestra do escritor em nossa instituição (Instituto de Humanidades da UCAM). Fiquei muito impressionado com sua fala e com sua história.
    Ainda não li muito a sua obra, mas do pouco que li gostei bastante. Depois, como uma grande coincidência, passei a vê-lo na tv, nos jornais eletrônicos etc. Ele participou também de um filme documentário chamado "Língua", sobre as várias nações cuja língua é a portuguesa. Muito bom esse filme.

    Aquela palestra marcou muito a platéia que encheu o auditório, pois muitos imaginavam uma escritora (Mia), negra (Moçambique) e que se falaria sobre racismo. Ledo engano, Mia (homem e branco) veio falar sobre a sua literatura, embora não tivesse como fugir ao tema, que acabou por comentar também. Mas, isso é uma outra história interessante: a sua visão sobre o tema "racismo", sendo um cidadão moçambicano e branco, passa por outras questões.

    obrigado mais uma vez pela visita. Volte sempre e boa sorte no curso que busca.

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  3. Sou fã do Mia Couto. Ele escreve coisas mto interessantes e profundas. Essa fala do medo e da insegurança, então, é demais! Eu sei bem o que é ter medo e insegurança... rsrs
    Bjo

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