As chaves fecham e abrem o livre desejar,
As cortinas sabem de desejos
que eu nunca pensei em contar.
Livros da estante acusam de não terem sido lidos,
As gavetas denunciam passados mantidos,
O guarda-roupa me alerta que há sentimentos a serem vestidos.
No banho, a água me bebe
E percebe
A agonia de problemas não resolvidos,
O fogão aquece sonhos perdidos,
A geladeira mantém pensamentos esquecidos.
Nos lençóis, repousam milagres abandonados,
O alarme desperta medos silenciados.
Os cd's entoam a voz da consciência,
O sofá senta as decisões com veemência.
Sob a mesa, estão contas vencidas de um futuro incerto
As janelas refletem a sombra do amor, que de perto,
Clama a paixão prometida.
A porta vigia a busca da solução, da melhor saída.
O ventilador refresca idéias inutilizadas,
A tv apresenta vontades acabadas.
O rádio narra notícias distantes do vizinho ao lado
A cama inflama e procura o corpo do amado.
Um carro de boi dourado
Surgiu na estrada gemendo
Gemendo doce gemido
Vozes vêm seguindo som
Bois elegantes puxando
Rodas de luzes piscando
Um carro de boi neon
Um carro de boi neon
Um carro de boi neon
Um carro de boi dourado
Florescente, iluminado,
Trazendo Touro Sentado,
Sentado ao lado de Tron
Buda sorrindo calado,
Admirando o machado
Empunhado por Xangô
Os anjos celestiais
Os campeões mundiais
Nobres de Roma e de Atenas
Escravas louras, morenas
Todos desfilando atrás
Soldados, sábios, mucamas
Alfarrábios, fliperamas
Tudo desfilando atrás
Atrás do carro de boi
Atrás do carro de boi
Como na escola de samba
O bamba e o super-herói
Como na escola de samba
O bamba e o super-herói
Um carro de boi dourado
Passou na estrada gemendo
Trazendo os deuses e o som
Um carro de boi neon
Um carro de boi neon
Ê, ô,
Neon, ê ô (BIS)
Primeiro cruzamos caminhos
Corremos o verde do tempo
Pisamos o chão como índios
Nascemos do mesmo luar
E, então inventamos o futuro
Juramos a cumplicidade
E só essa lei nos regia
Até que a viola chegou.
O som possuiu nossos corpos
O canto partiu em viagens
Até onde a gente nem pode pensar
Falamos de amor, e outras rimas
Crescemos somando outras cores
Vibramos tanta lealdade
Que o inferno até se assustou.
De fato, teimosos que somos
Partimos direto pra briga
Não houve desfeita ou intriga
Que nos confundisse a razão
E cruzamos novos companheiros
De letra, de som e de crença
Retrato, pincel e de dança
De tudo que a arte criou.
O manto cobriu nossos corpos
E o canto partiu em viagens
Até onde a gente queria alcançar
Falando de amor e outras rimas
Contamos com a força de muitos
Colocando voz nesses olhos
Que chegam pra nos encantar.
E as vozes se tornaram tantas
Que não há mais palco e platéia
A gente que canta conosco
É o presente que deus nos legou
É parceiro
A gente que canta conosco
É a resposta que a vida mandou.
(do poeta Jatobá) Cipó caboclo tá subindo na virola
Chegou a hora do pinheiro balançar
Sentir o cheiro do mato da imburana
Descansar morrer de sono na sombra da barriguda
De nada vale tanto esforço do meu canto
Pra nosso espanto tanta mata haja vão matar
Tal mata Atlântica e a próxima Amazônica
Arvoredos seculares impossível replantar
Que triste sina teve cedro nosso primo
Desde de menino que eu nem gosto de falar
Depois de tanto sofrimento seu destino
Virou tamborete mesa cadeira balcão de bar
Quem por acaso ouviu falar da sucupira
Parece até mentira que o jacarandá
Antes de virar poltrona porta armário
Mora no dicionário vida eterna milenar
Quem hoje é vivo corre perigo
E os inimigos do verde da sombra, o ar
Que se respira e a clorofila
Das matas virgens destruídas vão lembrar
Que quando chegar a hora
É certo que não demora
Não chame Nossa Senhora
Só quem pode nos salvar é
Gravada por Xangai no antológico LP "Cantoria", de 1984, no qual dividia o palco com Geraldo Azevedo, Vital Farias e Elomar. Um verdadeiro hino de defesa das matas brasileiras.