segunda-feira, 28 de março de 2011

Retrós


Poesias de
Eliana Pichinine


Lançado no último sábado (26/03) pelo selo FuturArte da Editora Multifoco, "Retrós" de Eliana Pichinine nos traz uma poesia ágil, cheia de significados e imagens, às vezes fortes, às vezes singelas. O livro revela uma autora sem tempo a perder. Sua poesia vai direto ao ponto que se quer, sem meias-palavras, quase nos obrigando a lê-la num só fôlego. Emocionante e envolvente, nos leva à reflexão sobre os aspectos mais humanos da vida. Temas como o amor, o desamor, a paixão, a família, a amizade, a arte, o tempo, memórias etc. são colocados com uma competência sintética de quem não faz rodeios. A prolixidade não vai estar no texto escrito, longe disso, está no que se pensa do que foi lido. É preciso, por vezes, pensar e descobrir sentidos mais profundos; em outros momentos, o nexo da ideia com o texto está ali mesmo na cara. Há de se reconhecer o talento de Pichinine para a "escrita taquigráfica", como observa André Luiz Pinto, autor do texto de sua contra-capa. Escrever muito em poucas palavras não é para qualquer um; é uma verdadeira arte. Além da contra-capa assinada pelo poeta e amigo André, o livro ainda apresenta uma orelha assinada por Marielza Tiscate, artista e amiga da autora e um lindo prefácio escrito por sua irmã, a filósofa Diana Pichinine. Logo, como se percebe, estamos diante de uma trama muito bem costurada por Eliana para nos prender ao livro, como na arte de coser. Faço uma referência ao poema "semente", da página 41, que Eliana oferece ao blogueiro que vos fala. Aliás, sua generosidade poética dedicou vários a outros tantos amigos.


     Semente

                                                                                                                       Para Assis Furriel


     A cultura
                                 na terra  
 cutuca
                                        a nuca da cria
da arte
                                         da germinação
                            
                                                               
                                                                                                         20/08/09


(In: PICHININE, Eliana- Retrós. Ed Multifoco, 2011,  p.41)


.

.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O Vasco e a história da igualdade no futebol

Vasco da Gama de 1923


O Vasco lançou nesta quinta-feira o seu terceiro uniforme para a temporada 2011. O modelo é inspirado no usado na década de 20 e faz referência ao atuação do clube naquele período, em prol da inclusão de jogadores negros e de classes mais humildes. No lado esquerdo do peito da camisa, há a imagem de uma mão espalmada em preto e branco. E, na gola, as palavras “Inclusão” e “Respeito”.

Se o Vasco não foi o primeiro clube brasileiro a contar com jogadores negros em seu elenco – alguns pesquisadores defendem que a primazia foi do Bangu; outros que a Ponte Preta foi a pioneira -, não há dúvida que o Clube de Regatas Vasco da Gama adotou uma inovadora política clara de inclusão de atletas negros, mulatos e/ou que não pertenciam à elite. E que lutou para que eles não fossem excluídos do esporte. Contribuindo decisivamente para que o futebol deixasse um esporte exclusivo de descendentes de ingleses e jovens da aristocracia. Brancos.

- O mulato e o preto eram, assim, aos olhos dos clubes finos, uma espécie de arma proibida – escreveu Mário Filho em seu livro “O negro no futebol brasileiro”. Escrito em 1947, a obra é uma referência sobre o assunto.

Coube ao Vasco, vindo da segunda divisão, desafiar o sistema vigente. O clube, fundado por portugueses, se distinguia de outros criados pela colônia lusitana por abrir suas portas também para brasileiros. De qualquer origem. O critério para ser convidado a defender o clube da Cruz de Malta não era a cor da pele ou a situação social. Era saber tratar bem a bola.

E o time passou a adotar um regime desconhecido dos demais. Os jogadores, na prática, viviam para o futebol. Acordavam em uma espécie de ‘concentração’ e treinavam. Exercícios físicos e com a bola. De manhã até de noite. Treinador pelo uruguaio Ramon Platero, e com o apoio de comerciantes portugueses, tinham boa alimentação e recebiam ‘bichos’ para dedicarem ao futebol. Um princípio de profissionalismo em uma época em que os comandantes do futebol orgulhavam-se de dizer que o esporte era amador.

Com atletas habilidosos e bem preparados, o time do Vasco geralmente dominava os adversários no segundo tempo dos jogos, quando os rivais não conseguiam mais acompanhar quem havia treinado forte durante toda a semana. E o clube vindo da segunda divisão foi campeão carioca em 1923, logo no ano de estreia na elite do futebol do Rio (na foto acima, o time campeão).

A reação dos clubes tradicionais não demorou. No ano seguinte, o grupo formado por América, Botafogo, Flamengo e Fluminense decidiu deixar a Liga Metropoliana de Desportos Terrestres (LMDT) e fundar a AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos).

Pelas regras da nova entidade, os jogadores precisariam provar que estudavam ou trabalhavam. Não em um trabalho qualquer. “Um emprego decente (…). Empregados subalternos eram riscados”, segundo Mário Filho. E precisavam saber ler e escrever corretamente. Além disso, todos os clubes deveriam ter campos e sedes próprios. O Bangu, com um time formado em boa parte por operários da fábrica de tecidos instalada no bairro da Zona Oeste, foi convidado pelo quarteto a ingressar na entidade. Os cinco fundadores tinham peso maior nas votações, garantindo que as suas propostas fossem vitoriosas.

Ao Vasco, foi exigido que 12 jogadores fossem afastados, por não atenderam aos requisitos impostos pela AMEA. Diante do ultimato, o presidente do clube, José Augusto Prestes, assinou um ofício em 7 de abril, que ficou famoso na história do futebol carioca. E brasileiro.

Rio de Janeiro, 7 de abril de 1924

Ofício no. 261

Exmo. Sr. Arnaldo Guinle, M.D. presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.

As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama em tal situação de inferioridade que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.

Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma como será exercido o direito de discussão e voto, e as futuras classificações, obriga-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto a condição de eliminarmos doze (12) jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama, não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos con-sócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se a AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores jovens quase todos brasileiros no começo de sua carreira, e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias.

Nestes termos, sentimos ter de comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.

Queira V. Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever de V. Exa. Att. Obrigado.

Dr. José Augusto Prestes
Presidente

O Vasco permaneceu na LMDT, ao lado de clubes que não aceitaram as condições ou que não conseguiram cumpriram as exigências da AMEA (casos do Bonsucesso, Andarahy, Villa Isabel, Mackenzie). E foi campeão da Liga Metropolitana em 1924.

No ano seguinte, houve acordo entre o clube e a AMEA, costurado em boa parte por Carlito Rocha, futuro presidente do Botafogo. O Cruzmaltino manteve seus atletas. E o clube, com seus jogadores negros, mulatos e pobres, entrou para a história esportiva do país ao contribuir decisivamente para tornar o futebol um esporte realmente de todos os brasileiros.



.

segunda-feira, 21 de março de 2011

O melhor de Obama no Brasil


Abaporu de Tarsila do Amaral, obra de 1928
(Em tupi: homem que come gente)


Símbolo do movimento antropofágico modernista,
o quadro atraiu a atenção do ilustre presidente que o visitou
na exposição "Mulheres, Artistas e Brasileiras" no Palácio do Planalto.
Este fato, por sua vez, atraiu a atenção do público para o quadro.

Em sua ingenuidade, sem saber,
Obama caiu em uma armadilha tupiniquim.
Como o Abaporu, vamos degluti-lo,
digeri-lo e regurgitá-lo em verde e amarelo!

Essa armadilha, nem os mais secretos e
 poderosos agentes da Casa Branca puderam prever!

.

domingo, 20 de março de 2011

Saudações entre dois gênios amigos



Nesta postagem, resolvi destacar algumas saudações sui generis de dois grandes amigos, que são Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade e que se não fossem eles os gênios que foram muito certamente não chamariam a nossa atenção. É muito legal perceber, nessas pequenas saudações, a natureza humana e uma certa simplicidade que o distanciamento nos impede conhecer. As publicações de cartas de personalidades de nossa intelectualidade, além de trazer-nos luz sobre uma série de questões literárias e científicas, possibilitam-nos conhecer melhor a vida comum, a intimidade dessas figuras importantes. Vejam que delícia as saudações trocadas nas correspondências desses que são dois dos maiores estudiosos do folclore e da cultura brasileira. Por elas, fica bem explícito o grau de amizade, de carinho e até do bom humor dos dois autores.



“Luís da Câmara Cascudo”  São Paulo, 14 de agosto de 1924

“Mário de Andrade”  Natal, 25 de Agosto de 1924

“Luís”  São Paulo, 5 de abril de 1927

“Mário”  Natal, 17 abril de 1927

“Cascudinho”  São Paulo, 26 de outubro de 1927

“Mário de Andrade. Amigão”  Natal, 1° de janeiro de 1928

“Luís querido”  São Paulo, 22 de janeiro d e1928

“Mário de Andrade. Querido amigo”  Recife, 1 de outubro de 1928

“Cascudinho, Cascudão,
Olhai pro céu, olha pra... mim”  São Paulo, 6 de agosto de 1929

“Mário do coração natalense”  Natal, 6 de junho de 1930

“Mário, bestão querido”  Natal, 1 de agosto de 1930

“Mário queridão”  26 de setembro de 1930 (s/ cidade)

“Mário rei Mano bestão querido”  Natal, 22 de janeiro de 1931

“Mario camaradão”  23 de outubro de 1931 (s/ cidade)

““Compadre” Mário”  14 de março de 1932 (s/ cidade)

“Compadre Cascudo”  São Paulo, 26 de março de 1932)

“Mário de coração pôlista”  5 de junho de 1933

“Cascudinho e tanto”  São Paulo, 18 de junho de 1934

“Mário do coração brasileiro”  14 de julho (data besta) greve dos correios e tele

“Mário, querido, do coração bolchevista”  20 de outubro de 1934 (s/ cidade)

“Olha, Cascudinho”  São Paulo, 10 de novembro de 1934

“Meu querido Cascudinho”  São Paulo, 1 de março de 1935

“Cascudito”  São Paulo, 15 de abril de 1936

“Macunaíma”  Natal, 9 de maio de 1937

“Velho Mário”  Natal, ant. 9 de junho de 1937

“Cascudinho velho”  São Paulo, 15 de janeiro de 1940

“Cascudete velho de guerra”  São Paulo, 6 de junho de 1942

“Ao querido Macunaíma”  Natal. Janeiro de 1944




MORAES, Marcos Antonio de. (org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade: Cartas, 1924-1944. 1ª Edição. São Paulo: Global Editora, 2010.


.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Oração do milho

A autora Cora Coralina

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada. Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo. E de mim, não se faz o pão alvo, universal.
O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apénas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre. Alimento de rústicos e animais do jugo.
Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Sou apénas a fartura generosa e despreocupada dos paiois.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o carcarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde
SOU O MILHO

quarta-feira, 9 de março de 2011

Vento bravo

Maravilha de vídeo que mostra os bastidores da gravação de "Vento bravo", composição de Edu Lobo e Paulo Cesar Pinheiro, gravada pelos dois gênios para o disco "EDU & TOM,TOM & EDU" de 1981. Este trabalho apresenta alguns dos clássicos de ambos como "É preciso dizer adeus" de Tom Jobim e Vinícius de Moraes e "Canção do amanhecer" de Edu com o mesmo Vinícius. O disco traz ainda, fotografias de Ana Lontra Jobim e do meu querido amigo Januário Garcia.
Veja que delícia que é os dois decidindo quanto ao arranjo.




1 -  Ai quem me dera (Tom Jobim/Marino Pinto) – Edu e Tom
2 -  Pra dizer adeus (Edu Lobo/Torquato Neto) – Edu e Tom
3 -  Chovendo na roseira (Tom Jobim) – Edu Lobo
4 -  Moto contínuo (Edu Lobo/Chico Buarque) – Edu e Tom
5 -  Ângela (Tom Jobim) – Tom Jobim
6 -  Luiza (Tom Jobim) – Edu e Tom
7 -  Canção do amanhecer (Edu Lobo/Vinícius de Moraes) – Edu e Tom
8 – Vento bravo (Edu Lobo/Paulo Cesar Pinheiro) – Edu e Tom
9 -  É preciso dizer adeus (Tom Jobim/Vinícius de Moraes) – Edu e Tom
10 -  Canto triste (Edu Lobo/Vinícius de Moraes) – Edu Lobo


sexta-feira, 4 de março de 2011

Livro de cabeceira

Câmara Cascudo e Mário de Andrade: Cartas, 1924-1944,  organizada pelo professor de literatura brasileira e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, Macos Antonio de Moraes, é fundamental para quem quer conhecer a intimidade e os sentimentos de dois importantes pensadores brasileiros. O livro, além de ser de extrema importãncia, funcionando como um grande índice de pesquisas, também é uma delícia por tratar do dia-a-dia desses autores: homens ocupados em entender, descobrir, inventar e reinventar o Brasil. Trabalhos hercúleos realizados por ambos que definiram os traços que reconhecemos hoje como sendo genuinamente brasileiros.





MORAES, Marcos Antonio de. (org.). Câmara Cascudo e Mário de Andrade: Cartas, 1924-1944. 1ª Edição. São Paulo: Global Editora, 2010

.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cantiga (Caicó)

Ó mana deixa eu ir
ó mana eu vou só
ó mana deixa eu ir
para o sertão do Caicó

Eu vou cantando
com uma aliança no dedo
eu aqui só tenho medo
do mestre Zé Mariano

Mariazinha botou flores na janela
pensando em vestido branco
véu e flores na capela

Tema folclórico
Música: Villa-Lobos
Letra: Teca Calazans
Adaptação: Milton Nascimento 
Do disco "Sentinela" de 1980


.