domingo, 27 de abril de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - A grande reforma urbana e a vida refeita no morro

Antes mesmo da grande reforma, observa-se que a República, recém chegada, apresenta como uma de suas características a prevenção contra pobres e negros, “prevenção esta que se evidencia principalmente na forte repressão aos capoeiras, levada a efeito em 1890 e na destruição (não sem violenta reação popular) em janeiro de 1893, pelo prefeito Bento Ribeiro, do “Cabeça de Porco”, o mais famoso cortiço do Rio de Janeiro, localizado na atual rua Barão de São Félix, nas fraldas do Morro da Providência, nos terrenos em parte cortados hoje pelo túnel João Ricardo, e que abrigava, à época de sua demolição, cerca de 2.000 pessoas”. (Lopes: 1992, p. 5)

Com desejo de dar à paisagem da cidade uma aparência européia, inspirada na belle époque francesa, inicia-se uma política de embelezamento e racionalidade que consiste em abrir novas e largas avenidas, derrubadas de prédios velhos, os chamados cortiços, limpeza e saneamento das ruas do Centro. Desse modo, a população pobre, de grande maioria negra é obrigada a se mudar para as periferias, como as das regiões da Praça Onze e da Cidade Nova, como também a ocuparem os morros próximos, como os da Conceição, no bairro da Saúde e da Providência (morro da Favela), na Gamboa. A política urbanizadora do Prefeito Pereira Passos, inicia-se em 1902 e segue até 1906, a qual foi conhecida popularmente por “Bota abaixo”. 

Em resumo, o plano urbanístico visava à remodelação do porto da cidade e das áreas próximas, facilitando seu acesso aos ramais da Central do Brasil e da Leopoldina; a abertura da avenida Rodrigues Alves e da Avenida Central (atual Rio Branco) que cortaria o centro comercial e financeiro que seria também reconstruído e remodelado; melhoria do acesso à zona sul, que se tornaria definitivamente a região ocupada pelos mais abastados da cidade, com a construção da avenida Beira-Mar; e a reforma do acesso à zona norte com a abertura da avenida Mem de Sá e com o alargamento das ruas Frei Caneca e Estácio de Sá. Além disso, alargamentos de várias ruas e pavimentação e ampliação dos serviços urbanos como o dos transportes. O combate às epidemias, executada pela liderança do Dr. Oswaldo Cruz, também marcará profundamente essa fase.

Expulsos de suas casas na área central da cidade, os negros vão se juntar a tantos outros chegados de outras regiões do país para tentar a sobrevivência na capital da República. O panorama é o pior possível. A favela (nome dado pelos primeiros moradores, remanescentes da guerra de Canudos) configura-se por barracos sem higiene, empilhados pelas encostas, de chão de terra batida, parede de barro ou improvisadas com latas de querosene ou tábuas de caixote. Com as destruições das habitações populares coletivas (cortiços e cabeças-de-porco), essa era uma alternativa barata, livre dos altos aluguéis e próxima aos locais de trabalho. O morro da Providência foi o primeiro a ser reconhecido por favela, que era o nome de um arbusto e de um morro próximo ao povoado de canudos. Os soldados que retornaram de lá e que deixaram de receber seus soldos se instalaram nesse morro, batizando-o com este nome em homenagem àquele lugar. 

(Continua...)
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LOPES, Nei. Introdução. In: O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical: partido alto, calango, chula e outras cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.

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sexta-feira, 18 de abril de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - O negro e o mercado de trabalho

       Com o fim da escravidão, o negro passa a ter um problema que é buscar seu próprio sustento. O Estado não elaborou uma política de inserção do negro na sociedade e no mercado de trabalho. Num momento de industrialização e da busca de uma modernidade, o país que havia deixado o “escravismo” para entrar no “capitalismo”, não contou com a participação da mão-de-obra, agora livre, negra. Portanto, esse contingente negro busca, por sua própria sorte, uma colocação na sociedade excludente de então. 

Despreparado para o mercado moderno de trabalho e tendo, acima de tudo, grande concorrência dos estrangeiros, os negros acabam por exercer atividades menores e toda a forma de subempregos, incorporando também a massa de desocupados que habitava o centro da cidade e arredores. “No Brasil moderno, as negras achariam alternativas no trabalho doméstico ou seriam pequenas empresárias com suas habilidades de forno e fogão; ou, juntamente com o homem, procurariam o sustento através de pequenos ofícios ligados ao artesanato e à venda ambulante. No Rio de Janeiro abriam-se oportunidades na multiplicidade de ofícios em torno do cais do porto, para alguns na indústria, para os mais claros na polícia, para todos no exército”. (Moura: 1983, p. 43).

A imagem negativa do negro preguiçoso e malandro e que não gostava do trabalho se deu por conta de muitos que ficaram à margem: prostitutas, cafetões, malandros, outros ainda, que ganhavam a vida com o que aprenderam nas festas populares, trabalhando em cafés, cabarés, circos e palcos das revistas. Esses, juntamente com outros segmentos populares, oscilaram entre o subemprego urbano e a marginalidade carioca. 

A participação do trabalho exercido pelo negro marcará definitivamente a história das atividades do cais do porto. Sua participação nas organizações de trabalhadores se dará fortemente, como na Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiches de Café, tendo uma participação maciça dos negros, inclusive em suas lideranças, tendo sido chamada anteriormente Companhia de Pretos.

Durante as obra de remodelação da cidade, o trabalho era oferecido nas esquinas do centro, assim como a seleção dos candidatos. Os negros levavam sempre desvantagem em relação aos brancos. Roberto Moura revela a voz das testemunhas como a de D. Carmem, vizinha das obras na época, que depõe: “quem trabalhava mais mesmo era o português, essa gente, espanhóis, era mais essa gente. Não era fácil, eles não gostavam de dar emprego pro pessoal preto da África, que pertencia assim à Bahia, eles tinham aquele preconceito”. (Moura: 1983, p. 44).

(Continua...)
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[1] Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da- populacao-brasileira/brasil-um-pais-de-migrantes.php

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1983.

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quinta-feira, 10 de abril de 2014

O negro no contexto sócio-cultural do Rio de Janeiro (1870-1920) - A questão das migrações

A história do Negro no Brasil inicia-se quase que simultaneamente ao descobrimento deste país. Já nas primeiras décadas do século XVI, os negros escravizados no continente africano eram trazidos para o ciclo econômico da cana-de-açúcar. “A partir de 1549, intensificou-se o tráfico negreiro para estas regiões, principalmente em razão dessa florescente cultura agrícola. Em 1559, o tráfico foi legalizado por iniciativa de um decreto do rei D. Sebastião, pelo qual ficava autorizada a captura de negros na África para o trabalho em território brasileiro[1]".

Segundo Helio Santos, do total de 14 milhões de africanos escravizados, o Brasil foi o que mais importou, trazendo para cá cerca de 4 milhões. É claro que esse número muito se amplia quando somado aos nascidos das escravas em terras brasileiras. (Santos: 2001, p. 65). 

O deslocamento de grande contingente de negros acompanhou as mudanças dos ciclos econômicos. Primeiro, no século XVI com a lavoura da cana-de-açúcar, no nordeste, depois, já no século XVIII, com o ciclo do ouro, na Região das Minas e finalmente, com o período do café, no século XIX, no sudeste do país, sobretudo na região do Vale do Paraíba. (Lopes: 1992, p. XIII)

Na segunda metade do século XIX, vários fatores como a crise do café, a partir de 1860, a grande seca do sertão nordestino nos anos de 1877 a 1879, a abolição do trabalho escravo em 1888 e o término a Guerra de Canudos em 1897 contribuíram para que um grande número de negros e mestiços migrasse para as metrópoles, principalmente, a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império e da República que estava por vir, em busca de trabalho e de sobrevivência. Além disso, “entre 1871 e 1920, o Brasil recebeu 3,3 milhões de imigrantes, provenientes da Alemanha, Itália, Portugal, Ucrânia e Polônia[2]", para substituir a mão-de-obra escrava, e também para, segundo uma política “racista” do governo do país e de grande parte das elites, embranquecerem a população.

(Continua...)
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LOPES, Nei. Introdução. In: O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical: partido alto, calango, chula e outras cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.

SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil – A trilha do círculo vicioso. São Paulo: Editora SENAC, 2001

[1] Disponível em : http://ww1.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=2852 

[2] Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da- populacao-brasileira/brasil-um-pais-de-migrantes.php

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