domingo, 28 de abril de 2013

Rua dos Amores, o novo disco de Djavan

Rua dos Amores, 2012
Este é o Djavan que conhecemos e que por vontade própria esteve afastado dos trabalhos autorais desde Matizes, o seu último trabalho de 2007. Ouvir Rua dos Amores, seu mais novo trabalho de 2012, dia após dia, descobrindo devagar todas as músicas e seus detalhes especiais, é uma maravilha. É uma grande felicidade reconhecer num disco novo, um clássico. E é isso que Rua dos Amores é. 

Djavan parece que estava sedento por compor, depois de quatro anos sem gravar um disco cem por cento autoral. Nesse intervalo gravou Ária, disco somente de composições de outros autores. Ótimo disco, por sinal. Fora esse tempo citado, sentia falta desse poder poético e de sua força melódica e rítmica que desde Milagreiro não sentia mais. Esse é um sentimento pessoal, não sei se o leitor concordará. De modo que para mim a espera foi bem mais demorada, já que esse último trabalho citado é de 2001. 

Em seu site oficial, o texto que apresenta o disco é escrito por Hugo Sukman, do qual concordo inteiramente e reproduzo parte: 

"A cada acorde, a cada palavra de Rua dos Amores, o novo CD autoral de Djavan, sente-se a força acachapante e emocionante de um estilo. Pudera: notório estilista da música brasileira, ele é autor de todas as letras e melodias das 13 novas canções, fez todos os arranjos e é o produtor do disco (...) Para um compositor compulsivo e prolífico como Djavan o jejum foi algo sofrido e o acúmulo de energia criativa talvez explique a força da nova safra. Força também "reforçada" pelo reencontro com a antiga banda, com quem não trabalhava há 15 anos, todos mais maduros, tocando muito, afinadíssimos com as ideias e o violão de Djavan."

Bem se vê a sede que estava Djavan quando se debruçou sobre seu novo trabalho: compor, arranjar e produzir. Matar a vontade de criar algo do zero, de si mesmo.

Em Rua dos Amores, todo seu estilo se apresenta em treze faixas. Assim, estão lá em forma de samba, bossa, suingue, funk, jazz, balada, canção as suas novas criações. Definitivamente, Djavan voltou com toda força, com suas composições de extrema beleza e qualidade!




Djavan comenta o disco







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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Ônibus, poesia e música


Outro dia, quando saía para o trabalho, peguei um ônibus que liga a zona norte ao centro do Rio. Logo que entrei, notei o som que vinha dos alto-falantes do ônibus. Era o som de uma rádio. Como o som estava um tanto alto e eu ainda um pouco lento por causa do sono, aquilo me perturbou um pouco. Como o antigo carro à álcool, pela manhã eu demoro a pegar. Não gosto de falar e prefiro o silêncio até que desperte por completo. Menos mal, que o som era da rádio JBFM, que eu gosto. No entanto, pensei que aquilo poderia estar incomodando outros passageiros pela altura e por ser uma invasão do direito de não ouvir o que não se quer. Pensei que poderia ser pior. Poderia ser uma dessas rádios mais populares e me incomodar ainda mais. Imediatamente, olhei pelo interior do carro procurando a tal mensagem de proibição de aparelhos sonoros. Batata! Juntamente com outras informações como a da proibição do cigarro, lá estava ela, na frente, bem próximo ao motorista, a etiqueta colada bem ao alto, com o desenho do rádio com a tarja diagonal, indicando a proibição. Pensei de novo: "será que esse motorista gostaria de estar num ônibus como passageiro e ser obrigado a ouvir o que não quisesse?". Peguei os meus fones de ouvido e acabei tendo que ouvir alguma coisa especial, ainda que a intenção inicial fosse a leitura. Fazer o quê?

Enquanto seguia, ouvindo a minha própria seleção musical, lembrei-me de alguns "casos especiais" dentro de ônibus os quais fui testemunha e até participei de um deles como protagonista. É isso mesmo, eu já incomodei ou posso ter incomodado terceiros com a minha música. Apesar desse tipo de evento, geralmente, incomodar os usuários dos transportes públicos, pensei que em algumas situações, podemos nos surpreender com esses ruídos a princípio, indesejáveis.


Um dia, quando voltava pra casa do trabalho, aconteceu um episódio inusitado que até então não tinha presenciado. Eu trabalhava na Urca, um bairro da zona sul do Rio de Janeiro e voltava para Benfica, na zona norte, onde morava. Quando o ônibus entrava no Aterro do Flamengo, uma via expressa, longa e sem pontos de parada, que liga a zona sul ao centro da cidade, era comum a turma do comércio variado aproveitar para vender seus produtos, que em geral ia da inocente balinha a produtos de uso doméstico, como tesouras, retrós de linha e agulhas, aparelhos para descascar legumes etc. Desta vez, um camarada começou a falar e a oferecer poesia. No início, como estava mais para trás do ônibus, senti dificuldade de ouvir e entender o quê exatamente ele oferecia. Começou a recitar algumas poesias de sua autoria, o que para mim, no meio de tanta gente que se apertava, mostrou-se um tanto esquizofrênico. Parecia um lunático a recitar no meio do burburinho alheio do pessoal. Porém, à medida que ia recitando, se aproximava mais para que todo o pessoal de trás pudesse também ouvir. Devagar, as pessoas foram silenciando e eu, vencendo a minha própria resistência, pude perceber, para a minha surpresa, que a poesia era boa. Comecei a dar a devida e possível atenção ao poeta e fiquei maravilhado com a qualidade das poesias. Curioso, levantei-me ao final do aterro e me aproximei dele. Comprei alguns dos folhetos que ele oferecia e bati um bom papo até que ele saltasse na Presidente Vargas. Era uma figura aquele cara e posso dizer que aquela experiência valeu o meu dia. Poesia de qualidade num ônibus apertado, na hora do rush era muito incomum pra deixar passar.


Em outra oportunidade, peguei um ônibus na região da Tijuca, novamente, voltando do trabalho para casa, e me deparei com outra situação que me impressionou de tal forma que até hoje não esqueço o episódio. Eu trabalhava na região do Maracanã e voltava para Benfica, passando pelo morro da Mangueira, da famosa escola de samba de mesmo nome. 

Quando passava perto de uma instituição de ensino, dessas escolas técnicas, entrou um grupo de estudantes, jovens adolescentes, meninos e meninas, naturalmente barulhentos que conversavam, riam e brincavam sempre em voz alta. Logo percebi que o grupo era dali de perto e que aqueles jovens eram amigos, pois falavam de coisas e pessoas que todos conheciam. Sem demora, descobri que eram da Mangueira, pois começaram a batucar e a cantar em voz alta e afinados o samba “Exaltação à Mangueira”: “Mangueira teu cenário é uma beleza que a natureza criou...” Como conhecia e gostava do samba, gostei da surpresa da música. O curioso é que à medida que a música avançava, juntamente com o percurso do ônibus, o morro também se aproximava. O trajeto do ônibus passava por uma rua baixa, lateral à linha férrea (da famosa estação primeira de mangueira), a Rua São Francisco Xavier, e por isso não se podia ver o morro, pelo menos não completamente. Mas, após a subida de uma rua próxima, o ônibus acessava a Avenida Marechal Rondon, que naquele trecho era ainda mais alta e logo na frente ligava-se ao viaduto da Mangueira, que atravessava por sobre a linha do trem, ligando os dois lados do bairro. Quem conhece o local sabe que no trecho inicial do viaduto, vê-se a paisagem do morro na sua totalidade. Pelo menos a face virada para aquele lado.

Pois bem! Quando o ônibus virou, saindo da avenida e entrou no viaduto e a paisagem do morro se fez avistada, os meninos cantavam: “Chegou ô, ô, ô A Mangueira chegou, ô, ô" que é o trecho final e apoteótico do samba. Achei aquela coincidência incrível. 

Essa análise do trajeto e da conclusão da execução da música pelos jovens eu só fiz naquele momento, pois pra mim foi uma surpresa.

Como trabalhei alguns anos nesse mesmo lugar, peguei muitas vezes aquele ônibus e pude encontrar o grupo mais de uma vez, às vezes inteiro, às vezes somente em parte. Numa segunda vez que ele entrou em sua totalidade, tomei conhecimento daquilo que achei ainda mais fantástico. O grupo começou novamente a cantar o samba e então eu marquei exatamente o local do trajeto e fiquei observando e rezando para que nenhum engarrafamento, nem sinal de trânsito pudessem atrapalhar o que eu já imaginava: a apoteose da paisagem do morro e da justa homenagem daqueles jovens rapazes e moças, orgulhosos moradores do morro de Cartola e de Nelson Cavaquinho, entre outros bambas. Quando o ônibus virou e entrou no viaduto, juro que fui discretamente às lágrimas. Era tudo cronometricamente combinado e alegremente executado. Que beleza! Nunca me esquecerei daquele grupo e dessa história.


No final dos anos 80, estava com um grupo de amigos e vínhamos para São Cristóvão, onde morávamos, da Barra da Tijuca. Faríamos uma viagem de acampamento em Itatiaia, uma espécie de retiro espiritual misturado a um sentimento meio hippie de liberdade e fraternidade. 

Pois bem, o organizador do evento realizou um encontro, uma prévia para explicar toda a logística do evento, assim como do deslocamento da viagem. Grande parte dos participantes, quase cem pessoas, foi a sua casa que ficava num condomínio na Barra. Quando acabou o encontro, nosso grupo, de mais ou menos dez pessoas, se dirigiu ao terminal de ônibus “Alvorada”. Lá pegamos um ônibus para a Tijuca e de lá, pegaríamos outro ônibus, pois não havia, e nem há até hoje, condução direta ligando os dois bairros.

Assim que entramos fomos para a parte de trás e começamos a tocar violão e a cantar. À medida que o veículo percorria a Barra em direção à subida do Alto da Boa Vista, ligação ao bairro da Tijuca, o ônibus enchia e as pessoas também se surpreendiam com o que ouviam e viam. Um grupo de jovens, de maioria negra, dois branquelos no meio, dois violões e músicas de Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges, Boca Livre, entre outros da MPB, ali, de repente, num final de tarde de domingo, não era mesmo algo comum. Para variar, ao mesmo tempo em que eu participava do “show”, também observava o acontecimento com certa estranheza. Afinal, sempre fiz gosto pela discrição. Nunca gostei de chamar a atenção de estranhos. O fato é que eu também me sentia surpreso e adorando aquele concerto inusitado. Música de qualidade, oferecida de graça por um monte de jovens alegres e cheios de paz, num coletivo comum, surpreendia a todos positivamente. Foi demais aquele dia, assim como o retiro também. "A paz na Terra, amor..."


Que bom que as experiências nos espaços públicos nem sempre sejam desagradáveis. A vida nos reserva surpresas altamente belas. Basta termos ouvidos para ouvir, olhos para ver e sensibilidade para sentir.

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